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Uma Só Saúde ou Saúde Única: o conceito que conecta humanos, animais e meio ambiente

Abordagem integrada, reconhecida pela OMS e pelo Ministério da Saúde, orienta pesquisas e políticas públicas para prevenir doenças e proteger o planeta


Publicado em: 10/11/2025

Reportagem: Camila Neumam
Fotos: Comuniucação Butantan e Shutterstock

Você sabia que a maioria das doenças infecciosas que surgiram nas últimas décadas tem origem em animais? Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 60% das doenças humanas são transmitidas de animais para pessoas, e 75% das doenças emergentes que afetam os humanos também têm essa origem.

Diante desse cenário, cresce no mundo inteiro a adoção do conceito de “Uma Só Saúde” ou “Saúde Única” (One Health, em inglês). Formalizada por organizações como a OMS, a Organização Mundial da Saúde Animal (WOAH) e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a abordagem reconhece que a saúde humana, a saúde animal, a saúde ambiental e a saúde vegetal estão profundamente interligadas. 

Essa ideia foi impulsionada pela pandemia de Covid-19, que reforçou a necessidade de fortalecer uma estrutura global para melhorar a vigilância, com maior ênfase nas conexões com a saúde animal e o meio ambiente. 

 

pessoas usam máscara durante pandemia de covid

 

“As lacunas no conhecimento, prevenção e abordagens integradas ao conceito de Uma Só Saúde foram vistas como os principais impulsionadores da pandemia. Por abordar as conexões entre a saúde humana, animal e ambiental, ele é visto como uma abordagem transformadora para melhorar a saúde global”, destaca a OMS.

No Brasil, o conceito resultou na criação do Comitê Nacional de Uma Só Saúde, estabelecido por meio do Decreto nº 12.007/2024, com o objetivo de elaborar um plano nacional para prevenção e controle de ameaças à saúde. 

O tema já faz parte das políticas públicas e das pesquisas realizadas por instituições como o Butantan. Neste ano, ele será o tema da Reunião Científica Anual do Instituto, intitulada: “Uma Só Saúde, muitos desafios: a ciência em movimento no Instituto Butantan”.

 “O nosso trabalho tem uma frente muito grande na questão de saúde única, tanto no plano de conservação de serpentes e de outros animais que se encontram em situação de vulnerabilidade e ameaça de extinção, quanto nas pesquisas de seus venenos desenvolvidas por outros laboratórios, que têm grande importância na saúde pública”, afirma a médica veterinária Cristiane Schilbach Pizzutto, responsável técnica pelo Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEv) do Butantan.

O Instituto também foca no desenvolvimento e produção de imunobiológicos contra arboviroses, doenças transmitidas por mosquitos, como as vacinas contra dengue e chikungunya.

 

produção vacina dengue butantan

 

O que é Saúde Única e de onde vem o conceito

A ideia de “Uma Só Saúde” ganhou força a partir dos anos 2000, quando pesquisadores e organizações internacionais começaram a discutir estratégias conjuntas para enfrentar doenças emergentes e reemergentes. O conceito parte de um princípio simples: não existe saúde humana sem a saúde dos animais e do meio ambiente. 

“A degradação ambiental, o desmatamento, o tráfico de animais silvestres e as mudanças climáticas são fatores que aumentam o risco de transmissão de vírus e bactérias entre espécies”, destaca a OMS. 

O órgão possui uma lista de doenças compulsoriamente notificadas, que envolve várias de origem animal, como a própria Covid-19, a mpox (primatas como hospedeiros), ebola (morcegos e chimpanzé como hospedeiros), zika (mosquitos como hospedeiros), febre amarela (mosquitos como hospedeiros), HIV (origem em símios), entre outras. 

Cristiane destaca uma perspectiva importante sobre essa interação nos grandes centros urbanos do Brasil: "é um erro considerar as capivaras que hoje habitam as grandes cidades como animais saudáveis ou bem adaptados. Pelo contrário, elas estão expostas a rios poluídos, correm risco constante de atropelamento em nossas vias e, o mais preocupante, carregam carrapatos que são vetores da febre maculosa brasileira”. 

Segundo a responsável técnica, o aumento do número de casos desta doença é um reflexo direto da destruição e do desequilíbrio dos habitats naturais das capivaras. “Os animais se aproximam de nós por uma questão de sobrevivência, mas a verdade é que fomos nós quem invadimos e degradamos o espaço deles. Agora, o aumento do risco de contato com esses vetores é a consequência inevitável dessa ação", ressalta.

 

capivaras na marginal pinheiros, em São Paulo

 

Ações globais

A iniciativa global quadripartite – composta pela OMS, OMSA, FAO e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) – coordena ações e pesquisas internacionais para antecipar riscos, proteger ecossistemas e reduzir desigualdades em saúde.  

Essa aliança criou em 2021 o Painel de Especialistas de Alto Nível em Uma Só Saúde (OHHLEP), que tem como objetivo realizar aconselhamento científico e político baseado em evidências e dar suporte técnico em Uma Só Saúde e em assuntos relacionados.

 

 

A aplicação no Brasil

No Brasil, o conceito de “Uma Só Saúde” tem sido incorporado em pesquisas científicas, políticas públicas e programas de vigilância sanitária. 

O Ministério da Saúde tem em seu portal um tópico oficial, que destaca componentes como: vigilância, prevenção e controle de zoonoses e de doenças tropicais negligenciadas; promoção da segurança alimentar e transformação dos sistemas agroalimentares; combate à resistência antimicrobiana; proteção da biodiversidade e melhoria no gerenciamento dos ecossistemas.  

Ainda segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde, e veiculados por órgãos oficiais, a iniciativa brasileira visa atuar em diferentes frentes: vigilância e controle de zoonoses e doenças tropicais negligenciadas, qualificação e prevenção, prevenção e resposta a epidemias e pandemias, combate à resistência aos antimicrobianos, entre outras ações.

“A construção da ideia dessa interconexão é fundamental em cada um de nós. Somente assim as pesquisas alcançarão a robustez necessária e seus resultados se traduzirão em ações efetivas para Uma Só Saúde em sua real essência, tal como deve ser", conclui Cristiane Pizzutto.