Reportagem: Guilherme Castro
Fotos: Shutterstock
Os lagartos do gênero Anolis não costumam passar batido aos olhos, mesmo que tenham um comprimento de no máximo 20 centímetros. Isso porque quando se sentem ameaçados ou precisam marcar território, esses bichinhos erguem sua barbela, uma protuberância que fica na região da garganta e pode vir em variadas cores vibrantes. É quase como se eles estivessem hasteando uma bandeira, pois essa parte do corpo fica visível mesmo em ambientes com muitos obstáculos visuais, como florestas. Parece difícil de imaginar que um animal minúsculo consiga afugentar grandes predadores com uma barbela colorida, mas não se engane: o truque dá certo.
A presença dessa barbela é uma das principais características que definem o gênero Anolis, natural da América, que pertence ao grupo Iguania. As cerca de 400 espécies do gênero, com 20 delas encontradas no Brasil – caso do calango-bandeira (Anolis brasiliensis) – fazem deste um dos gêneros de vertebrados mais populosos do mundo. Boa parte dos Anolis possuem a barbela na região da garganta, mas ela pode se estender até a barriga. Normalmente retraída e uniforme na pele, ela expande e se ergue como um sinalizador quando a musculatura do osso hioide, que funciona como uma alavanca, se contrai.
É um processo de extensão bem diferente do que acontece com os sapos: estes absorvem ar pelos pulmões e inflam graças ao saco vocal, utilizado para amplificar o som de seus chamados para acasalamento ou comunicação.
Exemplar de Anolis carolinensis; os lagartos que vivem em florestas mais densas tendem a apresentar barba colorida com mais frequência
No estudo Repeated evolution of exaggerated dewlaps and other throat morphology in lizards, publicado na revista Journal of Evolutionary Biology, pesquisadores da Austrália e da Espanha sugerem que os ornamentos extravagantes que os animais do grupo Iguania possuem na região da garganta, como as barbas coloridas dos Anolis, são resultado da pressão seletiva. Ou seja, a evolução é responsável por fazer com que esses bichos desenvolvessem mecanismos para facilitar a sua identificação e sobrevivência em ambientes com muitos obstáculos visuais. Um exemplo que confirmaria essa hipótese é que os lagartos que vivem em florestas, que costumam ser locais mais densos ou fechados, tendem a apresentar barba colorida com mais frequência do que os que vivem em ambientes abertos.
Além de servir como mecanismo de defesa, para gerar a impressão de que os lagartos são bichos maiores e mais imponentes do que realmente são, e de facilitar a comunicação entre os membros de um mesmo grupo, o farol colorido na garganta é utilizado como parte do ritual de cortejo entre Anolis machos e fêmeas.
Além dos Anolis, que são americanos, existem alguns outros exemplos de lagartos que possuem uma barbela protuberante e colorida, como o lagarto-de-garganta-em-leque (Sitana marudhamneydhal), o lagarto-saltador azul (Sitana ponticeriana) e o dragão voador (Draco volans), todos do continente asiático.
O lagarto-verde (Anolis punctatus) é conhecido popularmente como papa-vento
Lagartos coloridos, mas não camaleões
Conhecidos popularmente como papa-vento (caso do lagarto-verde, Anolis punctatus), os Anolis exibem tonalidades corporais que variam entre cinza, marrom e verde. As nuances de cor não são fixas porque esses lagartos podem alterar sua aparência de forma sutil devido ao estresse, que influencia a produção de adrenalina e outros hormônios responsáveis pela movimentação dos pigmentos nas células.
Esse processo, porém, é diferente do que ocorre com os camaleões, animais comuns na África e Ásia, que têm uma capacidade de mudar de cor controlada pelo sistema nervoso. É comum que, regionalmente, muitos Anolis sejam chamados de camaleão ou camaleãozinho, mas os dois bichos não são parentes.
Exemplar do lagarto-saltador azul (Sitana ponticeriana)
Normalmente arborícolas, os papa-vento preferem habitar galhos de árvores altas, com os machos em posições acima das fêmeas, em razão da diferença corporal entre eles – os machos costumam ser mais robustos e ter pernas mais fortes para escalada, de acordo com artigo do cientista Thomas Schoener, publicado na revista Science. Também são territoriais e brigam entre si para defender a área que dominam. Sua dieta consiste em pequenos insetos e outros pequenos invertebrados.
Embora a maioria dos Anolis viva em florestas, algumas espécies, como o Anolis aquaticus, nativo da Costa Rica e do Panamá, se adaptaram a ambientes semiaquáticos e passaram a habitar regiões próximas a rios. Além de usar a barbela como mecanismo de defesa, essa espécie pode mergulhar e respirar embaixo d'água por até 20 minutos, acumulando ar em pequenas bolhas na cabeça, o que a protege de predadores terrestres.
As barbas coloridas dos Anolis são resultado da pressão seletiva
Os Anolis são ovíparos: depositam ovos externamente e é neles que o embrião se desenvolve, alheio ao corpo da mãe. A postura é feita em locais escolhidos com cuidado para que predadores não consigam acessá-los facilmente, como entre as folhas das bromélias, embaixo de troncos ou dentro do solo. Diferente de outros lagartos, costumam pôr um ovo de cada vez, e seu período reprodutivo dura de 5 a 25 dias.
Essa matéria contou com a colaboração do biólogo e pesquisador de apoio do Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan, Renan Augusto Ramalho.