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Dia do Orgulho: relembre avanços históricos e políticas públicas de saúde para a população LGBTQIA+

O 28 de junho é celebrado como o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ desde 1969; de lá para cá, foram realizadas diversas ações que visam igualdade no acesso à saúde


Publicado em: 28/06/2024

Historicamente inserida em um cenário de luta por direitos básicos, como a saúde, a homossexualidade só deixou de ser considerada doença em 1973 pela Associação Americana de Psiquiatria – e em 1985 no Brasil, pelo Conselho Federal de Medicina. Mais recente ainda é a possibilidade de homens que se relacionam com homens doarem sangue no país: a restrição, considerada inconstitucional e discriminatória, existiu até 2020, quando foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Decisões como essas são resultado de anos de pressões populares. Desde 1969, o dia 28 de junho ficou marcado como o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, após um movimento que se opôs à discriminação policial contra membros da comunidade no bar Stonewall Inn, em Nova Iorque (EUA) – o episódio ficou conhecido como Rebelião de Stonewall. Nos anos seguintes, a causa foi ganhando destaque ao redor do mundo, fomentando a luta pelos direitos das pessoas LGBTQIA+ e a criação de políticas públicas de saúde para essa população.

Um dos grandes marcos internacionais foi a publicação dos Princípios de Yogyakarta, em 2006, após uma reunião de especialistas de 25 países ocorrida na cidade de mesmo nome na Indonésia. O documento considera a discriminação relacionada à orientação sexual,
identidade de gênero e expressão de gênero uma violação aos direitos humanos, e serve até hoje como referência mundial, tendo motivado diretrizes de saúde pública LGBTQIA+ em diversos países.

No Brasil, ações focadas na saúde da comunidade LGBTQIA+ passaram a ser implementadas pelo governo na década de 1980 – no entanto, ainda pautadas em preconceitos e atreladas exclusivamente à epidemia de HIV que se alastrava na época. Foi a partir dos anos 2000 que a saúde de pessoas LGBTQIA+ começou a ser discutida de forma mais abrangente na legislação brasileira.

Neste Dia Internacional do Orgulho, conheça alguns dos principais avanços relacionados à saúde de pessoas LGBTQIA+ ocorridos no Brasil:


28ª Parada do Orgulho LGBTQIA+ em São Paulo (SP), 2024 (Foto: Shutterstock)


Prevenção e tratamento do HIV: PrEP e PEP (1990)

Na década de 1980, a epidemia do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV), causador da Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS), se espalhou pelo mundo. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, registrou 20 mil infecções em 1981 – número que saltou para 130 mil em apenas três anos.

Inicialmente, os casos predominavam entre os homens homossexuais. Em 1982, descobriu-se que a transmissão poderia ocorrer por via sexual ou transfusão sanguínea, e casos em mulheres, crianças e homens heterossexuais começaram a ser registrados. Ainda assim, por muitos anos o vírus continuou sendo associado à orientação sexual, levando à estigmatização de pacientes. Segundo o Boletim Epidemiológico HIV/AIDS referente a 2022, homens heterossexuais representam a maioria dos casos (44%) em indivíduos acima de 40 anos.

Após uma década de epidemia e mais de 400 mil mortes, foi desenvolvido em 1990 o primeiro medicamento contra HIV, a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), destinada a prevenir a infecção em pessoas possivelmente já expostas. O objetivo era criar uma barreira imediata após o contato com o vírus para bloquear a sua replicação nas células.

Mais tarde, em 2010, surgiu a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), indicada para a prevenção da infecção antes do contato com o vírus em pessoas com risco de exposição. A recomendação é que elas tomem as mesmas medicações da PEP, mas de maneira regular, prevenindo uma futura infecção. 

Os medicamentos antirretrovirais da PrEP e PEP são fornecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e ajudaram a reduzir as infecções por HIV no Brasil em 11,1% entre 2019 e 2021. A PEP é recomendada em caráter de urgência pelo Ministério da Saúde após uma situação de risco, devendo ser tomada por 28 dias. Já a PrEP pode ser tomada diariamente por pessoas em situação de vulnerabilidade ao HIV, ou pode ser solicitada sob demanda (somente quando a pessoa tiver uma possível exposição de risco ao HIV).
 

Movimento Act Up nos Estados Unidos, em 1988, que atuava em prol das pesquisas e políticas públicas para o HIV (Foto: Donna Binder)


Proibição de práticas que favoreçam a patologização da homossexualidade (1999)

A publicação da Resolução nº 001/99 pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) brasileiro proibiu que psicólogos exercessem atividades que favorecessem a patologização (atribuição de status de doença) da homossexualidade, ou colaborassem com serviços que propusessem tratamentos relacionados à orientação sexual ou identidade de gênero. O CFP considera que a psicologia “pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e discriminações.”


Programa “Brasil Sem Homofobia” e o direito à saúde (2004)

Em 2004 foi criado, pelo governo federal, o Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra a população LGBT e de Promoção da Cidadania de Homossexuais, intitulado Brasil Sem Homofobia. O documento versa sobre os direitos da comunidade, entre eles, o direito à saúde, com o objetivo de consolidar um atendimento e tratamento igualitário para todos. As ações propostas incluem atenção especial à saúde da mulher lésbica em todas as fases da vida; atenção a homossexuais vítimas de violência, incluindo a violência sexual; atenção à saúde dos homossexuais privados de liberdade; e promoção da saúde por meio de ações educativas voltadas à população LGBTQIA+.

No mesmo ano, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher levou à criação de programas voltados para grupos em situação de maior vulnerabilidade, como as mulheres lésbicas, além de melhorias na atenção obstétrica e enfrentamento à violência sexual e doméstica, e ações de prevenção e promoção da saúde feminina.
 

Testagem rápida para HIV em Feira de Santana, Bahia (Foto: Shutterstock)



Política Nacional de Saúde Integral LGBTQIA+ (2011)

Em 2011, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Saúde Integral LGBTQIA+. Entre seus objetivos, estão ampliar o acesso da população LGBTQIA+ aos serviços do SUS, garantindo o respeito e a prestação de serviços de saúde com qualidade e resolução de suas demandas e necessidades; a promoção da atenção e do cuidado especial com adolescentes LGBTQIA+, garantindo sua saúde mental, assim como acolhimento e apoio; e o monitoramento dos indicadores de saúde e de serviços para a população LGBTQIA+.

O documento se baseia em estudos nacionais de saúde pública e direitos humanos, além de diretrizes internacionais, entre elas o princípio 17 de Yogyakarta – “direito ao padrão mais alto alcançável de saúde física e mental, sem discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero.”

As propostas que originaram o plano haviam sido apresentadas em 2008 na 1ª Conferência Nacional LGBT– o primeiro evento governamental do mundo dedicado à comunidade LGBTQIA+.


Regulamentação do processo de redesignação sexual no SUS (2013)

O processo transexualizador foi incluído no SUS em 2008, com a publicação da Portaria nº 1.707/08, incluindo desde o tratamento hormonal até cirurgias. Essa portaria contemplava somente mulheres trans (pessoas do sexo masculino com identidade de gênero feminina), e foi substituída em 2013 pela Portaria nº 2.803/13, para que homens trans (pessoas do sexo feminino com identidade de gênero masculino) também tivessem direito tanto à terapia hormonal quanto às cirurgias.


Campanha de doação de sangue na Fundação Pró-Sangue do Hemocentro de São Paulo, 2023 (Foto: Ciete Silvério/Governo do Estado de SP)


Doação de sangue por homens que se relacionam com homens (2020)

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro derrubou a restrição que impedia a doação de sangue por homens que houvessem mantido relações sexuais com outros homens nos últimos 12 meses. A proibição constava na Resolução RDC nº 34/14 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e na Portaria nº 158/16 do Ministério da Saúde.

A restrição foi realidade por décadas em diversos países, devido ao entendimento equivocado das autoridades de saúde de que a doação de sangue por homossexuais aumentaria o risco de contaminação pelo vírus HIV. Com a mudança, a lógica aplicada na avaliação de potenciais doadores passou a considerar não grupos de risco, mas sim comportamentos de risco – o que não está relacionado à orientação sexual.

A ONG All Out estima que, com a proibição da doação por homens homossexuais e bissexuais, até 19 milhões de litros de sangue tenham sido desperdiçados todo ano no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, uma única doação de sangue pode salvar até quatro vidas. Nos últimos anos, outros países como os Estados Unidos, Itália, Polônia, Rússia e África do Sul também derrubaram a restrição.


Acesso de pessoas trans a tratamentos e exames com restrição de gênero (2024)

Em maio deste ano, o Ministério da Saúde mudou a classificação de gênero de mais de 200 procedimentos no SUS com o intuito de ampliar o acesso aos tratamentos da rede pública para pessoas transexuais. A restrição de gênero dificultava que homens e mulheres trans tivessem acesso ao tratamento de doenças e a determinados procedimentos. Mulheres trans, por exemplo, não conseguiam passar por exames de prevenção do câncer de próstata, mesmo que tivessem mantido os órgãos sexuais biológicos masculinos. A dificuldade era a mesma para homens trans que não haviam passado por cirurgia de redesignação sexual. 

A nova determinação inclui procedimentos como vasectomia, tratamentos contra o câncer no útero, parto, mastectomia (retirada das mamas) e exames específicos para a saúde feminina e masculina.

 

Reportagem: Guilherme Castro e Aline Tavares