 
                                                                                         
                                                                                                                                                                            
                                                                                
                                    Reportagem: Aline Tavares
Fotos: Vinícius Radica Correa, mc_photo/iNaturalist e Shutterstock
 
Rasga-mortalha, coruja-da-igreja, coruja-das-torres, suindara... A icônica coruja com “carinha de maçã” (Tyto furcata) tem muitos nomes e possui uma característica horripilante: um grito alto e bastante agudo, que alguns acreditam ser anúncio de morte.
Reza a lenda que a presença da suindara perto de uma casa é mau presságio. O nome popular rasga-mortalha, inclusive, faz referência ao material usado para envolver cadáveres. A explicação é que o canto da suindara lembra um pano sendo rasgado.
Mas calma! Isso não passa de uma antiga crença popular. Embora pareça assustador no meio da noite, o grito serve apenas para a ave se comunicar com seu parceiro e demarcar território, e não para avisar que alguém “vai de arrasta pra cima” ou está prestes a “bater as botas”.
As corujas são cercadas de mitos desde a época do Império Romano. No ano 77, o historiador romano Plínio, o Velho, em seu livro História Natural, chamou a ave de “monstro da noite” que carrega más notícias. As corujas também foram mencionadas em diversas obras do escritor inglês William Shakespeare, como em Macbeth (1623). “Foi a coruja que gritou, o mensageiro fatal”, disse a personagem Lady Macbeth após a morte do rei Duncan.
 

A coruja suindara existe há quase 30 milhões de anos (Foto: mc_photo/iNaturalist)
“Associar sons de aves noturnas com espíritos e presságios é uma prática antiga presente em diversas culturas indígenas. É uma herança de tradições medievais, nas quais o canto da coruja era visto como sinal de tragédia ou morte”, conta o biólogo e educador do Museu Biológico do Instituto Butantan Matheus de Moraes dos Santos.
No Brasil, o mito da rasga-mortalha nasceu de uma mistura de crenças trazidas pelos europeus durante a colonização, e ganhou força principalmente no Nordeste e no Norte. Na região amazônica, a suindara costuma ser associada à personagem do folclore Matinta Pereira, uma mulher que se transforma em coruja e assusta as pessoas durante a noite com seu canto estridente. Segundo a história, ao ouvi-la, os moradores devem oferecer prendas, como café ou tabaco, para não sofrerem consequências negativas. A mulher retorna na manhã seguinte em busca de sua recompensa.
 

Características como o formato da face e os olhos pequenos a diferem de outras corujas (Foto: Vinícius Radica Correa)
As suindaras ou corujas-das-torres existem há quase 30 milhões de anos. Elas fazem parte da família Tytonidae, que compreende 20 espécies espalhadas pelo mundo. No Brasil, vive a espécie Tyto furcata, também encontrada em toda a região das Américas, dos Estados Unidos ao Chile.
A maioria das corujas que vemos nos filmes – como a famosa Edwiges do Harry Potter – é da família Strigidae, que é muito mais populosa, com mais de 200 espécies já descritas.
Diferente de suas primas, que em geral possuem cabeças redondas e olhos grandes, as suindaras têm uma carinha que lembra o formato de um coração ou uma maçã, com olhos pequenos.
Elas têm hábitos noturnos e gostam de ficar em áreas abertas e semiabertas, como campos, bordas de floresta e até nas cidades. Para se abrigar e proteger os ovos, as suindaras se aproveitam de cavidades como ocos de árvores, cavernas, forros de casas, galpões e torres de igrejas (daí o nome coruja-das-torres).
O canto “rasgado” é bem característico das corujas da família Tytonidae, enquanto as da família Strigidae costumam emitir o clássico “hoo hoo”. Uma mesma coruja, na verdade, pode ter de três a quatro tipos de vocalização.
Ficou curioso sobre o “grito mortal” da suindara? Dê o play abaixo:
 
Romântica, a suindara costuma viver em casal e escolhe um parceiro para toda a vida. Para conquistar a fêmea, o macho performa “voos de exibição”, sempre acompanhados de vocalização. Quando o par está formado, ele a presenteia com banquetes, levando presas para o ninho. 
O sucesso da reprodução depende da disponibilidade de alimento e pode ocorrer em qualquer época do ano. Em geral, a coruja-das-torres pode colocar de quatro a sete ovos.
O par vive em cooperação e divide as tarefas em casa: o macho leva alimento para a parceira e os filhotes, enquanto a fêmea cuida da ninhada. Após cerca de um mês, o casal volta a caçar juntos para alimentar a prole. Com cerca de 80 dias de idade, quando já sabem voar e caçar sozinhos, os filhotes deixam o ninho.
 

As suindaras costumam ser encontradas em pares (Foto: Shutterstock)
As suindaras, assim como outras corujas, são caçadoras profissionais e conseguem localizar as presas com muita precisão. Além dos ouvidos assimétricos, que ampliam o alcance de sua audição, elas possuem um disco facial (estrutura de penas ao redor da face) que funciona como uma antena parabólica, direcionando o som para seus ouvidos.
Outra vantagem é a capacidade de virar a cabeça em até 270°, no estilo O Exorcista. Isso ajuda a coruja a observar os arredores, procurar presas e identificar predadores, já que a mobilidade de seus olhos é limitada.
A ave também é mestre na arte de espreitar: as pequenas “franjas” (serrilhas) na borda das asas garantem um voo silencioso, o que a ajuda a passar despercebida.
O principal alimento da suindara são os ratos, por isso ela é muito importante para controlar a população desses animais – que são capazes de transmitir doenças. Em média, a coruja pode predar quatro roedores por noite, totalizando mais de 1.400 no ano. Ela também gosta de insetos e pequenos vertebrados como morcegos, anfíbios, répteis e outras aves.
Além do papel no controle de roedores, a suindara é um bioindicador da saúde do ambiente, por ser sensível a poluentes e metais pesados. Assim, diferente do que muitos acreditam, a presença dela é um ótimo sinal: significa que o ecossistema está em equilíbrio.
Por isso, se avistar uma dessas lindas corujas por aí, não se preocupe. Aproveite a sorte e admire!
 

Não basta ser bonita e simpática: a suindara também ajuda a controlar a população de ratos e indica a saúde do ambiente (Foto: Shutterstock)
Família: Tytonidae
Onde habita: todas as regiões do Brasil e das Américas. Há outras espécies da mesma família distribuídas pelo mundo. Gosta de áreas abertas e semiabertas, como campos e bordas de floresta. Também pode ser vista nas cidades
Características físicas: de tamanho médio (de 30 a 45 cm), possui cabeça branca com disco facial em formato de coração, olhos pequenos e corpo marrom e branco
Alimentação: ratos, insetos e pequenos vertebrados
Curiosidades: possui um canto agudo e marcante que a difere de outras corujas. Segundo uma antiga crença popular, seu “grito” é presságio de morte. Mas nada disso é verdade: essa é apenas sua forma de comunicação
Essa matéria contou com a colaboração do biólogo e educador do Museu Biológico do Instituto Butantan Matheus de Moraes dos Santos.
 
 
    



 
                                             
                                            
                                            
                                        