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Meningite bacteriana: vacinação de adolescentes favorece imunização coletiva e pode evitar surtos e mortes pela doença

Infectologista do Instituto Butantan explica por que adolescentes têm papel-chave na transmissão e como as vacinas ajudam a conter a doença


Publicado em: 03/11/2025

Por Camila Neumam
Fotos: Comunicação Butantan

Casos de meningite de origem bacteriana voltaram a chamar a atenção em todo o país, após surtos em Pelotas (RS) e mortes de crianças no estado de São Paulo. Até 17/10, o  Brasil registrou 9.311 casos confirmados de meningite, sendo 4.045 do tipo bacteriana e 3.150 do tipo viral, e 1.121 mortes. Destas, 799 foram causadas por meningite bacteriana e 83, pela doença viral, segundo o Ministério da Saúde

Apesar de ser considerada uma doença grave, de alta letalidade (10%) e com potencial para sequelas, a meningite tem transmissibilidade relativamente baixa – cada pessoa infectada transmite, em média, para apenas uma outra. A doença bacteriana é causada pela bactéria Neisseria meningitidis (meningococo), que contém 12 sorogrupos. Para cinco deles – A, B, C, W, Y – existem vacinas. Por isso, é preciso manter a cobertura vacinal elevada para impedir que a bactéria volte a circular de forma preocupante. 

Uma peça-chave para evitar surtos é a imunização de adolescentes com a vacina meningocócica ACWY (que protege contra os sorogrupos de meningococo dos tipos A, C, W e Y) e a vacina contra o meningococo B.

Meninas apontam para braço após vacinação

 

“A meningite é uma doença grave, mas não tão transmissível quanto o sarampo, na qual uma pessoa infectada pode transmitir para mais 17 – geralmente se transmite para uma pessoa, em média. O problema está na colonização silenciosa da bactéria, principalmente em adolescentes”, alerta o infectologista e gestor médico do Butantan, Érique Miranda.

O infectologista explica que, entre 10% e 20% dos jovens de 11 a 19 anos podem carregar a bactéria na garganta sem apresentar sintomas. “Eles não ficam doentes, mas servem como reservatório. Quando entram em contato com crianças pequenas ou pessoas não vacinadas, podem transmitir a bactéria sem saber”, alerta.

A vacina meningocócica contra os sorogrupos ACWY demonstra também um efeito indireto: ao diminuir a colonização entre adolescentes, ajuda a reduzir a circulação da bactéria e amplia a proteção para toda a comunidade, um fenômeno conhecido como imunidade coletiva.

“Só assim conseguimos reduzir a colonização e proteger indiretamente os mais vulneráveis, como bebês ou quem perdeu a imunidade com o tempo. Reforçar a vacinação na adolescência também é essencial para conter os surtos”, ressalta o infectologista.

O avanço da cobertura da vacina ACWY pode inclusive mudar o perfil epidemiológico da doença, aumentando a ocorrência de outros sorotipos, como o meningococo B, que causa surtos mais esporádicos. “Isso acontece porque quando se expande a cobertura vacinal contra um ou mais sorotipos, aumenta a ocorrência de outros”, explica Érique Miranda. 

Entre os casos globais de meningite bacteriana, mais de 90% são causadas pelos patógenos Streptococcus pneumoniae (pneumococo), Haemophilus influenzae tipo b (Hib) e Neisseria meningitidis. Atualmente, o pneumococo é a principal causa de meningite bacteriana na região das Américas, segundo a Organização Panamericana da Saúde (OPAS).

Quais vacinas protegem contra a meningite?

O PNI oferece duas vacinas contra o meningococo. A vacina meningocócica C em doses aos três e cinco meses de idade, e a ACWY como reforço aos 12 meses. Além disso, desde 2020 a vacina meningocócica ACWY é oferecida no PNI em dose única para adolescentes de 11 e 14 anos. 

As vacinas BCG, pentavalente (difteria, tétano, pertussis, hepatite B recombinante  e Haemophilus influenzae B conjugada) e as vacinas pneumocócicas (10, 13 e 23-valente) também ajudam a proteger contra formas de meningite e são oferecidas no SUS. Há ainda a vacina contra o meningococo B, disponível na rede privada.

Até outubro de 2025, a cobertura da vacina meningocócica C atingiu uma média de 85% entre crianças de até 1 ano. A cobertura da vacina ACWY, por outro lado, teve uma cobertura bem inferior, de 55,64%, em 2023, segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde. Ambas não alcançaram as metas de 95% e 80% de cobertura, respectivamente, para atingir a imunidade coletiva e evitar surtos. 

“As vacinas ACWY e C têm eficácia média de 90%. Quanto maior a cobertura vacinal, maior a proteção coletiva, e maior a chance de conseguirmos conter surtos de forma indireta, protegendo também quem não foi vacinado ou já perdeu a imunidade”, explica Erique Miranda.

Para melhorar este cenário, o Ministério da Saúde lançou o documento Diretrizes para Enfrentamento das Meningites até 2030, atrelado ao programa de mesmo nome da Organização Mundial da Saúde (OMS). O programa aborda a imunização com as vacinas meningocócicas C e ACWY como parte essencial das estratégias de prevenção e controle das meningites bacterianas imunopreveníveis no Brasil. O documento ressalta que a meta é vacinar 80% dos adolescentes de até 15 anos cadastrados na Atenção Primária à Saúde (APS). 

 

Criança aponta para braço após receber vacina

 

Por que os surtos acontecem?

De acordo com Erique Miranda, os surtos de meningite são esperados em determinados períodos do ano, especialmente no final do inverno e início da primavera, entre setembro e outubro. Nessa época, há maior circulação da bactéria meningococo, em especial o sorogrupo C, ainda predominante no Brasil.

A infecção ocorre por gotículas respiratórias e exige contato próximo e prolongado. Em hospitais, por exemplo, pacientes com meningite meningocócica precisam ficar em isolamento por 48 horas após o início do antibiótico.

A meningite pode surgir em qualquer faixa etária, mas surtos costumam ocorrer em ambientes fechados, como escolas e creches, onde o contato é mais próximo.
“O controle dos surtos depende não apenas de proteger os mais vulneráveis, mas também de reduzir a colonização nos adolescentes, que atuam como portadores silenciosos da bactéria”, afirma o médico.

A OMS registra anualmente 1,6 milhão de casos de meningites bacterianas e 240 mil óbitos em crianças menores de 5 anos no mundo, com a morte de uma a cada seis pessoas afetadas, e sequelas em um em cada cinco sobreviventes. 

Meningite bacteriana e viral: diferenças e tratamento

A meningite é uma inflamação das membranas que revestem o cérebro e a medula espinhal, e é causada, na maioria dos casos, por infecções bacterianas ou virais. As meningites bacterianas são mais graves que as virais e podem evoluir rapidamente. 

“As três camadas que protegem o sistema nervoso central, conhecidas como meninges, podem inflamar por infecção. A meningite bacteriana é a mais perigosa principalmente em crianças, mas as vacinas disponíveis protegem contra as que mais circulam”, detalha Érique Miranda.

Os principais sintomas da meningite bacteriana são febre, dor de cabeça e rigidez de nuca; mas podem incluir vômito, mal-estar, náusea, aumento da sensibilidade à luz (fotofobia), confusão mental, tremores e convulsões, levando ao coma.

Em bebês, pode ocorrer irritação, vômitos, letargia e moleira protuberante (fontanela), segundo o Ministério da Saúde

Entre as manifestações da doença, a considerada mais grave e mais letal é a meningococcemia, quando a bactéria Neisseria meningitidis atinge a corrente sanguínea. Diferentemente da meningite, a meningococcemia pode não causar sintomas de meningite, como dor de cabeça e rigidez de nuca, mas sim febre alta, diarreia e manchas na pele com uma evolução rápida.

“É uma forma muito grave e rápida. Às vezes, a criança não apresenta os sintomas típicos e o diagnóstico é difícil. Por isso, a prevenção é essencial, e ela passa pela vacinação”, conclui o médico.

Nos adultos e idosos, o pneumococo tende a ser o agente mais comum, enquanto nas crianças predominam o meningococo e o Haemophilus influenzae

“As meningites bacterianas exigem tratamento imediato com antibióticos de largo espectro e, muitas vezes, corticoides para controlar a inflamação”, afirma o infectologista.

As meningites virais, mais leves, costumam ocorrer após exposição a águas contaminadas por enterovírus, comuns em praias poluídas, e tendem a se resolver espontaneamente na maioria dos casos. “A pessoa apresenta dor de cabeça e vômitos intensos poucos dias depois de nadar. Geralmente melhora sozinha, mas é importante fazer o diagnóstico”, conclui Érique.