Reportagem: Camila Neumam
Fotos: José Felipe Batista
Um estudo do Instituto Butantan investigou a reemergência do vírus da dengue tipo 3 (DENV-3) no Brasil entre 2023 e 2024, e concluiu que ela ocorreu como resultado de múltiplas introduções internacionais, e não por circulação interna. A pesquisa foi realizada por pesquisadores do Centro de Vigilância Viral e Avaliação Sorológica (CeVIVAS) e publicada na revista Vírus Evolution, da Universidade Oxford, na Inglaterra.
Em 2024, o Brasil ultrapassou a marca de 10 milhões de casos de dengue, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Mais da metade desses registros (57,6%) foi confirmada em laboratório, e o avanço da doença veio acompanhado de um dado preocupante: 6.161 pessoas morreram em consequência da infecção. Entre os quatro tipos de vírus da dengue, o DENV-3 chamou a atenção. Apesar de ainda responder por uma fração pequena do total, o número de casos disparou: foram 1.694 registros em 2024, contra apenas 106 em 2023. O crescimento foi mais intenso nas regiões Norte e Sudeste, onde a circulação do vírus se mostrou mais forte, de acordo com o Ministério da Saúde.
Depois de analisar 1.536 genomas de DENV-3, o estudo identificou a disseminação da linhagem 3III_B.3.2, dentro do genótipo 3III, identificando pelo menos seis rotas de entrada dessa linhagem no Brasil.
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Os bioinformatas James Siqueira e Alex Ranieri, do CeVIVAS, fizeram a pesquisa a partir da análise de 1.536 genomas do vírus 3 da dengue
As chegadas ocorreram principalmente de países da América Central e Caribe, como Cuba, Porto Rico e Costa Rica. A introdução mais antiga do DENV-3 teria ocorrido provavelmente no final de 2022, no estado de Roraima, seguida por eventos em São Paulo, Minas Gerais e Pará.
“Resolvemos investigar para entender a origem desse aparecimento, levando em conta que já havia uma literatura que indicava uma possível circulação do DENV-3 no Brasil, mas queríamos ver se era possível traçar uma rota de circulação, o que é muito importante para a vigilância genômica”, explica o bioinformata do CeVIVAS e do Laboratório de Ciclo Celular do Butantan (LCC), Alex Ranieri, um dos principais autores do estudo.
Alex se refere a dois estudos: o primeiro, do virologista Felipe Naveca, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que fez a caracterização genética dos casos de infecção pelo DENV-3 em Roraima e no Paraná em 2023, sugerindo risco de uma nova epidemia no país devido à circulação do sorotipo, o que de fato se confirmou em 2024; e o segundo, das pesquisadoras da Fundação Ezequiel Dias, Talita Adelino, e da Fiocruz, Marta Giovanetti, que reportaram o ressurgimento do DENV-3 em Minas Gerais no mesmo período.
Ambos estudos refletiam também que a ausência prolongada do sorotipo 3 provavelmente deixou uma parcela da população soronegativa para DENV-3, aumentando o risco de surtos em larga escala semelhantes aos observados em 2002.
De 2014 a 2022, apenas 109 casos de DENV-3 foram notificados no Brasil, com o pico ocorrendo em 2016 (42 casos), conforme documentado no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Essa tendência mudou drasticamente em 2023, com o número de casos subindo para 106. Tal resultado indicava o ressurgimento do vírus, com detecções em Roraima (Norte), Paraná (Sul) e Minas Gerais (Sudeste), conforme informaram em 2023 as pesquisas da Fiocruz e da Fundação Ezequiel Dias.
Porém, ambas pesquisas abordavam os casos localmente, mas não traçavam a rota de entrada do vírus no Brasil. Foi esse trabalho que a equipe do CeVIVAS fez, em parceria com a pesquisadora Marta Giovanetti e com o pesquisador da Escola de Saúde Pública da Universidade Yale, Nathan D. Grubaugh, que sequenciou dados de pacientes com DENV-3 que tinham viajado para Cuba e Costa Rica.
“Em 2024, explodiu o número de casos de dengue 3 no país, que acreditávamos estarem relacionados com a entrada de uma linhagem nova porque na literatura da dengue é sabido que a troca de linhagens coincide com surtos”, ressalta Alex Ranieri.
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A pesquisa do Butantan é fruto de uma investigação que começou quando o CeVIVAS, coordenado pela diretora do Centro de Desenvolvimento Científico do Butantan (CDC), Sandra Coccuzzo, e pela diretora técnica do LCC, Carolina Sabbaga, autoras principais do estudo, receberam sequências de DENV-3 que estavam circulando no Pará e em Minas Gerais em 2023.
A descoberta da introdução internacional do DENV-3 foi possível graças às análises filogenéticas (de linhagens de vírus) e filogeográficas (da circulação do vírus por países e territórios) para rastrear as origens e rotas. Os pesquisadores identificaram que linhagens de DENV-3 introduzidas no Pará, Roraima e São Paulo vieram de Cuba; em Minas Gerais e São Paulo vieram de Porto Rico e Costa Rica.
“O resultado da pesquisa reforça a importância da vigilância dos aeroportos e mostra que basicamente todas as rotas de introdução do vírus são independentes”, afirma o bioinformata James Siqueira Pereira, aluno da Escola Superior do Instituto Butantan (ESIB) e do Programa Interunidades de Bioinformática da Universidade de São Paulo (USP), e que atua no estudo sob orientação de Alex Ranieri.
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O vírus da dengue possui quatro sorotipos – DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Dentro de cada sorotipo, existem diferentes variações genéticas, chamadas genótipos. Com o tempo, esses vírus acumulam mutações em seu material genético (RNA) e dão origem a linhagens, que representam ramos mais recentes ou mais antigos da história evolutiva do vírus. Uma pesquisa recente também realizada pelo CeVIVAS propõe uma nova nomenclatura de linhagens da dengue que demonstram essa evolução.
A epidemia de dengue de 2023/2024 no Brasil foi considerada uma das mais graves das últimas décadas, com mais de 10 milhões de casos notificados e mais de 5 milhões de casos confirmados, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), predominantemente impulsionada pelos sorotipos 1 e 2. No entanto, o ressurgimento do DENV-3, após mais de 13 anos de circulação limitada, introduziu uma nova dinâmica à situação epidemiológica.
“O trabalho ressaltou que as rotas aéreas entre o Brasil e os países do Caribe ajudaram na dispersão do vírus, e que linhagens que vêm de outros locais, mesmo sem contato direto, podem causar surtos. Os esforços contínuos de vigilância serão, portanto, cruciais para identificar linhagens emergentes de DENV e orientar respostas oportunas para prevenir futuras epidemias de dengue no Brasil”, conclui Alex Ranieri.



