Pesquisadores do Instituto Butantan identificaram duas proteínas provenientes do veneno da lagarta Lonomia obliqua, popularmente chamada de taturana de fogo, que possuem ação na regeneração celular, podendo ser exploradas para tratar doenças degenerativas e desenvolver produtos voltados para cicatrização e regeneração. Em estudo publicado na revista Frontiers in Molecular Biosciences, os fragmentos das proteínas, denominados rLosac e rLopap, apresentaram potencial de favorecer a regeneração muscular.
Ao longo dos últimos anos, os peptídeos foram testados em diferentes modelos de culturas de células que receberam estímulos para morte celular, e foram capazes de impedir a morte das células e estimular a produção de moléculas envolvidas em regeneração. Em testes com modelos animais, os peptídeos também conseguiram acelerar o fechamento de feridas.
“Em modelos de células envolvidas em processo articular e de células que compõem os tecidos, como a pele, por exemplo, nós observamos o potencial regenerativo desses peptídeos, que foram capazes de regular genes envolvidos neste processo, bem como induzir a expressão de proteínas específicas”, afirma a diretora de Inovação do Butantan, Ana Marisa Chudzinski-Tavassi.
Segundo a pesquisadora, que é uma das autoras do estudo, em um processo inflamatório crônico, como artrose, as células perdem a capacidade de desempenhar corretamente suas funções. “Nas doenças articulares, decorrentes de inflamação crônica, normalmente os medicamentos aliviam os sintomas, mas não resolvem o problema. A busca de medicamentos efetivos é constante nesta área”, explica.
As possíveis aplicações desse tipo de descoberta são muitas. É possível investigar novos tratamentos para doenças degenerativas, utilizando diferentes caminhos: desenvolvendo uma formulação em que o peptídeo seja o insumo farmacêutico ativo, ou ainda identificando os alvos moleculares que o peptídeo modula e, a partir disso, desenhar novos fármacos. Esta última é a abordagem do Centro de Excelência para Descoberta de Novos Alvos Moleculares (CENTD) do Butantan, liderado por Ana Marisa.
Outra aplicação seria na indústria de cosméticos, especificamente visando atividade farmacológica regeneradora, ou ainda no ramo farmacêutico que desenvolve produtos para cicatrização, por exemplo, para condições de cicatrização difícil como úlceras e queimaduras.
Da pesquisa básica à aplicação
A lagarta Lonomia obliqua é objeto de estudo antigo do Butantan. Em 1996, o instituto desenvolveu o soro antilonômico, que trata indivíduos acidentados pelo contato com as cerdas da taturana. Dependendo da quantidade de veneno inoculada e da resposta do organismo, o paciente pode desenvolver hemorragia, devido a um tipo de coagulação intravascular disseminada. Até hoje, o Butantan é o único produtor desse soro no mundo. “Tivemos vários acidentes que culminaram em hemorragia cerebral, insuficiência renal e morte de pacientes, especialmente no sul do Brasil, onde os primeiros casos destes envenenamentos foram relatados”, conta Ana Marisa.
As principais proteínas do veneno, responsáveis pela coagulação, são Losac e Lopap. Ao estudá-las, os pesquisadores observaram que elas estavam presentes em todas as fases evolutivas da lagarta, e começaram a investigar se elas também poderiam estar envolvidas em outros processos relacionados à metamorfose do animal. “Descobrimos que as proteínas impedem a morte celular. Losac, além de ativar o fator X da coagulação sanguínea, tem uma função neuroprotetora, enquanto Lopap, que ativa a protrombina, também induz a produção de moléculas de matriz extracelular, como colágeno e fibronectina, relacionados à regeneração.”
As proteínas da lagarta passaram a ser produzidas em laboratório de forma sintética, com técnicas de engenharia genética, chegando a rLosac e rLopap (proteínas recombinantes). Os cientistas então mapearam as proteínas para selecionar apenas os fragmentos específicos relacionados à atividade regenerativa. Hoje, a equipe trabalha para validar alvos moleculares específicos, para que os peptídeos possam ser desenvolvidos como novos produtos para os setores que têm foco em regeneração.