Os acidentes com serpentes peçonhentas atingiram 29.543 pessoas no Brasil e causaram 94 óbitos no ano de 2022, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde. Apesar dos mais afetados serem os homens que trabalham em zonas rurais, grupo que concentra cerca de 70% dos casos, as vítimas mulheres têm quase o dobro de chances de falecer quando comparadas às do sexo masculino.
Ao analisar as chances de evolução para óbito por faixa etária, os indivíduos acima de 65 anos aparecem como os mais vulneráveis. Já em relação à raça/cor, os indígenas apresentam a maior taxa de letalidade: são quase três vezes mais chances de morrer em relação à população que registrou o menor índice – no caso, as pessoas que se autodeclararam pretas.
Presentes em todo o território brasileiro, as jararacas são responsáveis pela maioria dos acidentes ofídicos no país
De acordo com o Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde no final de 2023, a letalidade elevada entre os indígenas pode ser um reflexo da dificuldade de acesso aos soros, uma vez que grande parte dessas comunidades vivem em áreas remotas do país, sem acesso a serviços básicos de saúde.
A demora no tratamento do envenenamento por picadas de serpentes peçonhentas aumenta a probabilidade de um prognóstico desfavorável, impactando diretamente o coeficiente de letalidade. Os números mostram que do momento do acidente até as 12 primeiras horas, as chances de óbito praticamente dobram. E quando superadas as primeiras 24 horas, o risco sobe quase quatro vezes ao comparado com as três primeiras horas do acontecimento.
Maior aldeia indígena do Brasil tem redução de casos graves de ofidismo com uso precoce de soro
A proximidade com ambientes de matas e de áreas alagadas de rios deixa a população do Norte mais exposta ao encontro com serpentes
Norte tem índices preocupantes
Concentrando aproximadamente 37% da população indígena do país e responsável por abrigar a maior parte do bioma da Amazônia, o Norte é coberto por extensas áreas de florestas e banhado por rios que tornam o ambiente propício para o desenvolvimento de diversos tipos de cobras.
Segundo o Atlas Brasileiro das Serpentes, levantamento conduzido por mais de 30 pesquisadores brasileiros e publicado em 2019, a região amazônica é a segunda do país mais rica em biodiversidade de serpentes – das 412 espécies registradas no território, 183 ocorrem por lá. Também aumentam as chances de exposição ao animal o fato de uma parcela considerável da população desempenhar atividades econômicas relacionadas à natureza e o crescente processo de desmatamento na região.
Com mais de 55 casos para cada 100 mil habitantes – número quatro vezes maior que a média brasileira –, o Norte atingiu o maior coeficiente de incidência de ofidismo no país. O estado de Roraima figura no topo da lista, com 68,6 casos para cada 100 mil habitantes. Além disso, a região acumula cerca de um terço de todos os acidentes e óbitos decorrentes de picadas por serpentes peçonhentas reportados em 2022. Apenas no estado do Pará foram mais de 5.600 casos e 14 mortes.
De acordo com o projeto SAVING – Snake Antivenoms Imunoglobulins Need to be Garanteed (Soros antiveneno precisam chegar onde os pacientes estão, em português), da Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado da Universidade do Estado do Amazonas (FMT-HVD/UEA) em parceria com o Instituto Butantan, os acidentes com picadas de cobra na região amazônica brasileira custam pelo menos R$ 40 milhões aos cofres públicos e roubam dez anos de vida de populações indígenas e ribeirinhas todos os anos.
Os números corroboram a importância da administração precoce do antiveneno a fim de evitar óbitos e complicações, como a injúria renal aguda – uma das principais causas de morte entre as vítimas de picadas de jararacas e cascavéis.
Outro ponto é que as consequências das intoxicações por mordidas desses animais vão além das questões médicas, afetando também fatores sociais e econômicos, visto que muitos dos pacientes ficam com algum tipo de sequela – principalmente amputações dos membros inferiores ou superiores –, e não conseguem continuar trabalhando.
O soro antibotrópico é um dos 12 tipos de antiveneno produzido no Instituto Butantan
Único fornecedor no Brasil
Atualmente, o Instituto Butantan é o único produtor de soros do país, fornecendo ao Ministério da Saúde antiveneno para o tratamento de mordeduras de jararaca, jararacuçu, urutu, surucucu, surucucu-pico-de-jaca, cascavel e coral-verdadeira. Em 2022, cerca de 650 mil ampolas do produto foram enviadas à pasta, sendo o soro antibotrópico (para envenenamentos por jararaca) o de maior volume.
Devido aos inúmeros impactos provocados por esse tipo de envenenamento, principalmente entre grupos populacionais mais vulneráveis, a Organização Mundial da Saúde (OMS) inclui o ofidismo em sua lista de doenças tropicais negligenciadas. A meta global da entidade é reduzir em 50% os casos de acidentes por picadas de cobras até 2030. O compromisso foi assumido pelo Brasil junto de outros países da América Latina, visto que os acidentes por serpentes são considerados um sério problema de saúde pública na região.
Reportagem: Natasha Pinelli
Fotos: Shutterstock (fotos 1 e 2) e Comunicação Butantan (foto 3)