Portal do Butantan

Ciência e arte: Encantada pelos estudos com venenos, estudante escreve cordel em homenagem a pesquisadora do Butantan

A trajetória da pesquisadora Mônica Lopes-Ferreira, que estuda veneno de peixes peçonhentos, foi tema do trabalho de aluna de Angra dos Reis; cientista se disse emocionada com a homenagem


Publicado em: 11/12/2024

Reportagem: Camila Neumam
Fotos: Renato Rodrigues e arquivo pessoal

Para a estudante do 9º ano do Ensino Fundamental Emily Passos Pereira da Silva, de 14 anos, tarefa dada é tarefa cumprida. E não importa o quão complexa seja: ela vai pesquisar, estudar e fazê-la da melhor forma possível. O compromisso absoluto com a excelência faz parte da vida da aluna da Unidade de Trabalho Diferenciado de Angra dos Reis (UTD), no estado do Rio de Janeiro, e é fonte de orgulho para a família e seus professores. 

Neste ano, como parte de sua pesquisa de iniciação científica, Emily precisou escrever um cordel sobre um cientista nordestino e o inscreveu na Olimpíada de Ciência e Arte da Fundação Cecierj. Mas a aluna refinou a proposta: escolheu falar sobre uma mulher que estuda venenos para transformá-los em remédios. A homenageada foi Mônica Lopes-Ferreira, pesquisadora científica do Laboratório de Toxinologia Aplicada do Instituto Butantan (LETA).

Quando eu encontrei a Mônica, eu me identifiquei bastante porque ela estuda a toxinologia dos animais peçonhentos, que é uma área que me interessa muito, e onde eu quero me aprofundar no futuro. Isso tudo me encantou”, comenta Emily, lembrando uma conversa online que teve com a pesquisadora do Butantan. 

A pesquisadora Monica Lopes-Ferreira com o cordel redigido em sua homenagem: "muito emocionada"

O cordel intitulado “Mônica Lopes” (leia abaixo) emocionou a bióloga e imunologista que trabalha há 35 anos no Butantan. Alagoana de Maceió, Mônica tem memórias afetivas sobre o gênero literário comum no Nordeste. 

“Desde pequenininha eu conheço o cordel, que é uma leitura curtinha, mas que diz muito. Cresci em uma área rural onde meu pai trazia repentistas em casa. Quando eu vi a homenagem, eu fiquei muito feliz, e ao ver que foi em formato de cordel, fiquei mais feliz ainda porque tem tudo a ver comigo”, diz a pesquisadora.

 

A estudante Emily Passos, de 14 anos, escreveu o cordel e fez a xilogravura

 

A literatura de cordel é um gênero poético escrito e oral com traços europeus, indígenas, africanos e árabes. No Brasil se tornou popular desde o século XIX pela poesia recitada nas cantorias de violeiros ou repentistas. O cordel é feito de versos curtos, rimados e ilustrados com xilogravura, e ganhou este nome porque antigamente era impresso em folhetos que ficavam pendurados em cordas. Em 2018, a literatura de cordel se tornou Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Ciência e arte

Emily é bolsista de iniciação científica pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento (CNPq) desde 2023. Ela e outros quatro colegas da escola, que é indicada para alunos com altas habilidades ou superdotação, foram agraciados com a bolsa após serem medalhistas na Olimpíada de Ciência e Arte da Fundação Cecierj. 

Não havia intenção de enviar os cordéis produzidos para os cientistas, mas ficamos tão sensibilizados com o trabalho da Emily, percebemos que a qualidade era tão boa, que entendemos que as pessoas homenageadas precisavam ter conhecimento”, afirma o professor de Ciências Naturais da UTD, Diogo dos Santos Pinheiro. Ele enviou a Monica um e-mail com o cordel ilustrado com uma xilogravura de peixes feitos por Emily.

 

Emily e seus professores conversam com a pesquisadora 

 

Para Mônica, o cordel de Emily é um exemplo de que arte e ciência podem se unir em prol da divulgação científica. “Ela conseguiu captar a essência do nosso trabalho porque somos referência em estudo com peixes peçonhentos, porque temos representantes destes peixes no Brasil, porque nosso trabalho é realmente pioneiro na área e porque eu comecei a trabalhar com peixes peçonhentos pelos acidentes que eu vi e para os quais queria encontrar um tratamento, e continuo estudando. Vendo isso, eu pensei: como vale a pena o que a gente faz!”, ressalta.

Inspirações

Para escrever o cordel, Emily estudou a fundo a vida de Mônica lendo seus artigos e textos sobre a pesquisadora. Pontuou dados de sua história e algumas percepções, transformando-as em estrofes e rimas. A tentativa de escrever uma “estrutura bem certinha” foi entregue como “resumo” aos professores Diogo e Silvana Ferreira dos Anjos, de Língua Portuguesa. Como os trabalhos da menina costumam ser caprichados, a primeira versão já os impressionou. 

Silvana se lembra de ter desconfiado dos primeiros trabalhos de Emily, quando ainda era sua professora na escola regular. “As lições dela eram tão bem feitas que chamei a mãe dela na escola achando que ela quem fazia.” Ao descobrir que a menina demonstrava uma inteligência fora do comum, recomendou-a para a UTD.

A mãe de Emily, Priscila Passos Pereira da Silva, de 41 anos, ressalta a dedicação da filha para criar o cordel tão cheio de significado. “Ela fez questão que fosse uma mulher que estudasse algo ligado à natureza, porque ela sempre foi muito apegada a essas questões e sempre gostou de ir a fundo nos assuntos.” 

 

Emily é vencedora de olimpíadas científicas e competições esportivas

 

Emily não somente escreveu, como produziu a xilogravura. “Quebrei a cabeça para fazer o desenho. Peguei referências de peixes na internet e fui sujando a minha mão de tinta até que na quarta tentativa ficou bom. Foi um processo divertido, gostei da interação que eu tive com os papéis”, conta.

Priscila demorou alguns anos para entender o perfil questionador, criativo e decidido da filha. E, depois de receber o diagnóstico de superdotação de Emily, começou a estudar Pedagogia “para entender como funcionava o cérebro” da sua primogênita. Priscila se forma no ano que vem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ).

O jeito da Emily me inspirou a voltar a estudar porque eu tinha parado no segundo grau. Agora eu tenho maior compreensão e posso continuar estimulando a sede dela por conhecimento da melhor forma”, conta Priscila. 

A vida litorânea de Angra dos Reis também inspirou a menina a vivenciar a ciência desde pequena. Passeios ao ar livre fazem parte da rotina da família. “Nós sempre ficamos mais em contato com a parte natural e acho que isso me influenciou muito porque foi por essas experiências que eu fui percebendo como eu gostava de ter contato com a natureza e como eu gostava de estudar sobre essas coisas”, afirma Emily.

Com os anos, a adolescente foi colecionando medalhas olimpíadas de matemática, ciências e de karatê – ela está na faixa marrom e pretende chegar à preta. 

Emily com sua mãe Priscila, o pai e a irmã mais nova na residência da família em Angra dos Reis

 

Semelhanças

Mônica enxerga semelhanças na trajetória das duas e agradece o gesto da estudante, que diz ter sido “um prêmio” em vida. “Eu cresci no meio da natureza, e esse contato com o bicho e com a planta me levou a ser bióloga. Eu também comecei na iniciação científica e olha onde eu estou hoje? Você, Emily, proporcionou um presente gigante na minha vida, me deixou emocionada. Que você continue escrevendo muitos outros cordéis e poesias e que você siga essa trajetória que é muito bonita. Muitíssimo obrigada também aos professores”, conclui Mônica.

Fonte: Iphan