Definir a idade de uma serpente não é tarefa fácil – afinal, elas crescem durante a vida toda. E, por mais que esse ritmo caia com o passar dos anos, elas não possuem nenhuma outra característica visual que ajude a identificar sua idade. Apesar disso, as cobras também chegam na terceira idade e, assim como os humanos, precisam de cuidados especiais durante essa etapa da vida.
De acordo com a experiência dos cientistas do Laboratório de Herpetologia do Butantan, que lidam apenas com espécies peçonhentas, as cascavéis registram a maior expectativa de vida, atingindo em média 10 a 15 anos. O gênero Bothrops, formado pelas jararacas, vive um pouco menos, algo em torno de 10. Já as corais-verdadeiras têm a menor expectativa de vida, atingindo cerca de 8 anos, pois são extremamente sensíveis. Inclusive, é a partir dessa idade que as serpentes entram na chamada “terceira idade”.
Nessa fase, é comum que as fêmeas apresentem queda na capacidade reprodutiva e, em ambos os sexos, dificuldade de alimentação. “Entretanto, mesmo os animais que não pararam de comer registram um emagrecimento progressivo e perda de massa muscular, assim como acontece com os humanos”, explica a médica veterinária do Laboratório de Herpetologia Luciana Rameh.
Tumores, que podem ser benignos ou malignos, e problemas no fígado e nos rins são as principais condições relacionadas ao avanço da idade. Como as cascavéis são mais robustas, lesões de coluna também são comuns na espécie.
Nesse estágio, as serpentes peçonhentas são aposentadas do processo de extração de veneno para produção dos soros antiofídicos e, sempre que possível, encaminhadas para um serpentário exclusivo do Laboratório de Herpetologia. Atualmente, cerca de 50 serpentes idosas vivem nessa espécie de retiro.
As anciãs do Butantan
Um dos indivíduos mais antigos do plantel chegou a completar incríveis 20 anos. A cascavel, que veio do Tocantins e chegou ao instituto ainda bebê, pesando 25 gramas e medindo 36 centímetros, já registrava mais de dois quilos e ultrapassou a marca de um 1,5 metro de comprimento.
Durante a execução de exames de rotina, a cascavel foi diagnosticada com um tumor subcutâneo maligno. “Infelizmente, por conta da localização, o carcinoma não pode ser retirado cirurgicamente. Na falta de um protocolo de quimioterapia ou radioterapia, optamos por um tratamento homeopático paliativo, feito em parceria com uma profissional externa”, diz a médica veterinária.
Como a frequência de aplicação de um medicamento pode comprometer ainda mais o sistema imunológico das serpentes, por conta do estresse de contenção, o tratamento deve ser o menos invasivo possível. Por isso, a equipe realizava inalações diárias de 30 minutos, uma vez que o medicamento era absorvido pelas mucosas. Depois de meses de cuidados, o tumor até chegou a estacionar, porém o animal já tinha uma idade bem avançada, e acabou falecendo no final de 2022.
Um outro exemplar de cascavel, nascido em 2004 já no Butantan, apresenta deficiência de locomoção. “Fazemos exames de raio x para identificar a gravidade da lesão. Isso porque, dependendo da localização, pode haver comprometimento de atividades cruciais, como a deglutição e a digestão da serpente”, conta Luciana.
Apesar da limitação de movimento, a serpente segue se alimentando bem e dispensa o uso de medicação para o controle da dor. Se necessário, os veterinários podem lançar mão de terapias alternativas, como acupuntura e laserterapia, para contribuir com o bem-estar do animal.
“Para efeito comparativo, temos também uma cascavel de 2005 que está muito saudável. Tanto que segue na ativa, contribuindo para o processo de extração de veneno”, completa a especialista do Laboratório de Herpetologia.