Os ianomâmis, etnia indígena que vive no extremo Norte do Brasil, se tornaram fonte de inspiração para a nomeação de novas espécies de aranhas descritas pelos pesquisadores do Instituto Butantan e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). A principal delas envolve a nomeação de um recém-descoberto gênero de tarântulas, batizadas de Yanomamius. A descoberta foi descrita em artigo publicado na revista científica Zootaxa pelos cientistas Rogério Bertani, do Laboratório de Ecologia e Evolução do Butantan, e Marlus Queiroz Almeida, do INPA.
Tudo aconteceu por acaso. No começo dos anos 2000, Rogério recebeu para identificação aranhas caranguejeiras de grande porte enviadas por uma antropóloga venezuelana que estuda os hábitos alimentares dos ianomâmis. Ele percebeu, porém, que junto a elas havia alguns exemplares menores. Essas aranhas não se encaixavam em nenhuma espécie até então conhecida, e foram nomeadas como Holothele waikoshiemi, que significa “um tipo de aranha” na língua dos ianomâmis.
“Só tínhamos espécimes fêmeas. Após algumas visitas ao INPA e coletas nos estados do Amazonas e Roraima, encontramos mais espécimes, incluindo os machos”, conta Rogério. Com a observação também dos machos, os pesquisadores identificaram que a espécie era diferente das conhecidas pela ciência até então, permitindo a descrição do novo gênero, Yanomamius. E dentro do novo gênero, três espécies novas de aranhas foram descobertas.
A Yanomamius raonii recebeu o nome do cacique Raoni Metuktire, por sua liderança durante décadas na defesa da Amazônia e na preservação da cultura indígena; a Yanomamius franciscoi é um reconhecimento ao biólogo do INPA Francisco Xavier, que colaborou com as coletas; e a Yanomamius neblina teve como inspiração o Pico da Neblina, onde foi encontrada uma das espécies. “Além de ser uma homenagem a uma importante etnia indígena, os primeiros espécimes que conheci foram coletados pelos ianomâmis, que os utilizam como alimento”, explica Rogério.
As aranhas Yanomamius são encontradas no planalto das Guianas e podem ter de sete a oito centímetros. Têm coloração marrom em sua maioria e vivem em tocas escavadas no solo. O novo gênero faz parte da família Theraphosidae, que inclui as aranhas-caranguejeiras e tarântulas. Mais de mil espécies constituem essa família, sendo que o Brasil tem a maior diversidade.
Taxonomia
O ramo da ciência que compreende a tarefa de identificar e dar nome aos seres vivos e suas classificações é a taxonomia. Essa nomeação é feita a partir do estudo da morfologia, ou com a ajuda de técnicas moleculares para estabelecer os padrões que distinguem as espécies, gêneros ou famílias. “Em uma comparação com o momento atual, os pesquisadores coletam amostras de vírus da Covid-19, sequenciam seus códigos genéticos e identificam variantes por meio das suas semelhanças e diferenças, fazendo a taxonomia do vírus" explica Rogério. O trabalho da taxonomia também ajuda a entender a evolução dos seres vivos e identificar a origem de cada um. “Um trabalho mais elaborado resulta em uma árvore filogenética dos animais, plantas ou microrganismos, mostrando quem são seus parentes mais próximos”, completa.