Em 2012, a norte-americana Emily Whitehead, de 6 anos, estava desenganada. Seus pais não sabiam mais o que fazer. A menina lutava contra uma leucemia linfoblástica aguda, a forma mais comum de câncer infantil, mas o tratamento padrão que funciona para a grande maioria das crianças não surtia efeito em Emily. Sua doença estava tão fora de controle que ela nem era elegível para um transplante de medula óssea. Foi então que os médicos informaram os pais de Emily que não havia mais nada a fazer para salvá-la.
Mas Tom e Kari Whitehead não desistiram. Eles tinham ouvido falar que, no Hospital Infantil da Filadélfia, um oncologista pediátrico investigava uma maneira completamente nova de tratar o câncer. Em colaboração com pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, o médico Stephan Grupp pesquisava uma abordagem revolucionária chamada terapia com células CAR-T.
Então em fase experimental, a terapia CAR-T faz uso de células de defesa do organismo modificadas, os linfócitos T, que expressam em sua superfície o receptor quimérico de antígeno (ou chimeric antigen receptor, de onde vem a sigla CAR). Essa terapia se aproveita do poder do próprio sistema imune dos pacientes por meio da reformulação de suas células T, tornando-as capazes de encontrar, atacar e destruir células cancerígenas.
Em 2018, a terapia com células CAR-T rendeu aos seus descobridores, James P. Allison e Tasuku Honjo, o prêmio Nobel da Medicina. Mas, em 2010, ainda se tratava de um procedimento experimental. Os primeiros tratamentos em adultos estavam acontecendo na Pensilvânia naquele ano em pacientes que sofriam com estágio terminal de leucemia – doença do sangue na qual bilhões de células cancerígenas se espalham por todo o corpo utilizando o sistema circulatório. Em dois dos três pacientes, a terapia surtiu efeito: todas as células tumorais desapareceram para jamais retornar.
No entanto, a terapia celular CAR-T nunca havia sido testada em crianças. Emily Whitehead foi a primeira paciente pediátrica a se submeter ao procedimento, em fevereiro de 2012. Os efeitos colaterais foram graves, com febre altíssima, pressão arterial baixa e congestão pulmonar. Mas em questão de horas a condição de Emily melhorou, deixando toda a equipe médica surpresa. Emily não apenas se recuperou da tempestade de citocinas (resposta imunológica excessiva do organismo) que quase a matou, como as células T feitas sob medida para a menina fizeram exatamente o que deveriam fazer: eliminaram o câncer. A jovem, hoje com 17 anos, já completou uma década de remissão da leucemia.
Em 2017, um comitê da Food and Drug Administration (FDA), agência regulatória dos Estados Unidos, aprovou por unanimidade o uso da terapia CAR-T para combate ao câncer. Na ocasião, o pai de Emily deu um depoimento ao painel do FDA. “Este tratamento salvará a vida de milhares de crianças em todo o mundo. Espero que algum dia todos vocês no comitê consultivo possam dizer às suas famílias por gerações que fizeram parte do processo que encerrou o uso de tratamentos tóxicos como padrão, como quimioterapia e radiação, e transformou câncer de sangue em uma doença tratável em que, mesmo após a recaída, a maioria das pessoas sobrevive”, disse ele.
Desde então, mais de 10 mil pacientes em todo o mundo se submeteram ao procedimento, a maioria nos Estados Unidos, mas também na Europa, Japão e China. Em outubro de 2019, o mineiro Vamberto Luis de Castro, então com 62 anos, paciente terminal de linfoma não Hodgkin de células B (outro tipo de câncer do sangue), foi o primeiro a receber o tratamento no Brasil e se curar da doença.
Este texto é uma colaboração do jornalista científico Peter Moon para o portal do Butantan