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Uma cobra que se alimenta de cobras e é imune aos seus venenos: conheça a muçurana

Famosa por comer jararacas, a muçurana é conhecida como “cobra do bem” e é inofensiva para humanos


Publicado em: 31/10/2022

Você sabia que existem cobras que comem cobras? Esse é o almoço preferido da muçurana, nome popular para diferentes espécies de cobra que se alimentam de outras serpentes, inclusive as venenosas. Também chamada de cobra-preta, ela ataca até suas primas mais perigosas, como a jararaca, pois é imune ao seu veneno. Esse “gosto” inusitado, chamado de ofiofagia, foi descoberto pelo médico Vital Brazil, fundador do Instituto Butantan, em 1909. A primeira muçurana estudada por ele (da espécie Clelia clelia) matou e comeu, em um ano, 17 jararacas.

Apesar de seu tamanho assustador, a muçurana não é venenosa e é inofensiva para humanos – não é à toa que ela é conhecida como “cobra do bem”. Ela mede cerca de 1,5 m, mas pode alcançar até 2,5 m na vida adulta. Dependendo da espécie, pode ter hábitos diurnos ou noturnos, e costuma viver em matas e no meio da vegetação rasteira e fechada, perto de rios e lagoas. Outra característica interessante é que ela muda de cor ao longo da vida, indo de rosa claro e laranja quando jovem até azul escuro e preto na fase adulta.

 

A muçurana vence da jararaca, da cascavel e da urutu. Na hora do bote, ela se enrola em volta da outra cobra para pressioná-la e, geralmente, começa a se alimentar pela cabeça – para evitar que a presa tente morder para se defender. A muçurana então engole sua vítima por inteiro. A única capaz de matá-la é a coral-verdadeira, que tem o veneno mais letal entre todas as serpentes do Brasil. Mas nem só de outras cobras vive a muçurana: em sua dieta entram também pequenos mamíferos, aves e lagartos.

As muçuranas são endêmicas da América do Sul e, por aqui, são encontradas nos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Elas têm um papel muito importante na natureza, pois ajudam a controlar o número de acidentes com cobras venenosas e a desmistificar a ideia de que esses bichos são nossos inimigos: em muitas regiões, é comum os agricultores preservarem e protegerem as muçuranas. 

Vale lembrar que mesmo as cobras venenosas têm sua função para manter o equilíbrio da vida na Terra e devem ser preservadas, pois ajudam a controlar a população de roedores, anfíbios e invertebrados. Assim, são nossas aliadas no controle de doenças transmitidas por pequenos animais e colaboram para a estabilidade dos ecossistemas.

 

 

Símbolo histórico

Muçurana deriva da palavra em tupi-guarani “muçum”, que significa alongado, esguio, corda (existe um peixe alongado chamado popularmente de muçum), e “rana” (aquele que tem forma de, aparência de). Ou seja, ela é parecida com o peixe muçum – também conhecido como “peixe-cobra”.

A famosa imagem da muçurana devorando a jararaca é vista como uma representação do bem contra o mal, do soro contra o envenenamento, e chegou a inspirar os logotipos do Butantan. O símbolo é encontrado em alto relevo na fachada do primeiro prédio do instituto, que hoje é a Biblioteca, e durante muito tempo estampou o selo que lacrava as embalagens dos soros.

A cobra-preta foi parar até em cédulas de 10 mil cruzeiros, expedidas entre 1991 e 1994 em homenagem a Vital Brazil. As notas apresentavam, de um lado, uma foto do cientista e uma ilustração da extração de veneno, e no verso, a muçurana atacando a jararaca.

 

 

A imagem abaixo, datada de 1912, mostra o fundador do Butantan, Vital Brazil, fazendo uma demonstração para visitantes da muçurana se alimentando de uma jararaca.

Foto: Acervo Instituto Butantan/Centro de Memória.