Ao longo dos anos, os pesquisadores do Instituto Butantan vêm se destacando pela criação, desenvolvimento, produção e fornecimento de produtos essenciais tanto para a prevenção e proteção quanto para o tratamento de doenças. As vacinas contra Covid-19, influenza (gripe) e raiva são alguns exemplos dessa atuação, além dos soros que atuam contra toxinas de animais peçonhentos. Todos esses produtos começam com hipóteses e testes feitos em laboratório e percorrem um longo caminho até chegar à população.
Mas como uma pesquisa in vitro se torna um produto?
O processo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de um novo produto é composto por diversos passos, sendo o estudo básico, os ensaios pré-clínicos e os próprios ensaios clínicos os principais deles. No caso das vacinas e soros, há um grande investimento econômico e os prazos para conclusão das fases podem ser prorrogados, conforme a evolução do estudo.
“Um dos principais desafios é modificar o processo de desenvolvimento da substância para que ela possa ser fabricada em larga escala de maneira segura, respeitando todos os protocolos de controle de qualidade estabelecidos”, explica a pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Butantan, Luciana Leite.
Etapa 1: A descoberta e pesquisa básica
As pesquisas de imunobiológicos sempre começam com a revisão de estudos anteriores e a definição do tipo de antígeno (substância estranha ao organismo capaz de estimular a produção de anticorpos) que será utilizado no estudo. O próximo passo é analisar qual resposta imune o estudo quer atingir. É necessário também, durante essa fase primária, indicar qual vai ser a plataforma utilizada para o desenvolvimento do imunobiológico – no caso das vacinas virais, por exemplo, definir se elas serão desenvolvidas com vírus inativado, atenuado ou com vetores virais alterados geneticamente.
“É importante destacar que, juntamente com a escolha do antígeno, deve-se iniciar um processo de desenvolvimento analítico que tem como objetivo estabelecer métodos analíticos para assegurar a qualidade, potência e pureza do produto escolhido”, afirma o pesquisador e diretor do Laboratório Multipropósito do Butantan, Renato Astray. Esses primeiros resultados são apresentados como prova de conceito a uma agência reguladora de saúde que avalia se os dados são satisfatórios e define um parecer negativo ou positivo para continuidade da pesquisa.
Etapa 2: Testes pré-clínicos
A segunda etapa da pesquisa é conhecida como testes pré-clínicos e deve seguir as exigências de Boas Práticas de Laboratório (BPL) indicadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além de normas previstas em leis específicas.
O novo produto deve ser testado em modelos animais com o intuito de confirmar os efeitos farmacológicos apresentados pelo antígeno nos testes de prova de conceito e, principalmente, verificar a ausência de toxidade da apresentação – ou seja, se a aplicação em humanos pode ser realizada de maneira segura, sem riscos à saúde da população.
Etapa 3: Ensaios clínicos
Antes de serem aprovados para uso, os imunobiológicos devem passar pela terceira etapa do estudo: a dos ensaios clínicos. Ela é dividida em quatro fases: sendo que cada etapa só começa quando a anterior foi concluída com bons resultados.
Na fase 1 o medicamento é testado em um pequeno grupo de pessoas para verificar se apresenta comportamento similar ao observado nos modelos animais e é seguro para aplicação em larga escala.
A fase 2 conta com um número maior de voluntários e tem o propósito de verificar a capacidade do produto de provocar uma resposta imune satisfatória (no caso de uma vacina).
Já na fase 3 o foco principal é demonstrar a eficácia do medicamento, e normalmente o número de pessoas é ampliado. O ideal é que o imunobiológico obtenha resultados similares a outros produtos já utilizados e certificados por agências reguladoras de saúde.
Na fase 4 a vacina é disponibilizada para a população e sua aplicação é acompanhada pelo setor de Farmacovigilância.
Questões Éticas
É importante ressaltar que todas as pesquisas são realizadas com a colaboração de voluntários, e seus dados são tratados de maneira sigilosa com o intuito de preservar a identidade dos participantes. Além disso, os estudos clínicos devem ser aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), ligada ao Ministério da Saúde.
A Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Butantan coordena todos os ensaios clínicos de fase 1 a fase 4 para os imunobiológicos produzidos pelo instituto, incluindo as vacinas. Com isso, fica garantida a internalização do conhecimento adquirido com a realização dos estudos e a integração de todas as etapas do processo de pesquisa e desenvolvimento.