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Pai, esposo e cientista: Willy Beçak deixa legado de pioneirismo na pesquisa genética e de imunobiológicos do Butantan

Fundador do primeiro laboratório de genética do país e um dos criadores da Fundação Butantan, geneticista é referência brasileira em estudos de Síndrome de Down


Publicado em: 04/05/2023

Willy Beçak, ex-diretor do Instituto Butantan (1983-1991) e ex-presidente da Fundação Butantan (1989-2000), morreu no dia 26 de abril, em São Paulo, aos 90 anos, deixando um legado de inovação à ciência e ao Butantan. O doutor em Ciências Biológicas com ênfase em Genética pela Universidade de São Paulo (USP) criou o primeiro laboratório de genética do Brasil, sediado no Butantan, em 1960, poucos anos antes da descoberta da estrutura do DNA, e modernizou a capacidade de produção de vacinas do instituto ao ser um dos idealizadores da Fundação Butantan. 

Com vasta experiência acadêmica e institucional, Beçak sabia conciliar a vida de cientista com sua família, sempre presente no Butantan. Na época, seus três filhos frequentavam o instituto, que ainda tinha ares de fazenda, enquanto ele e a esposa e também geneticista Maria Luiza Beçak trabalhavam como pesquisadores.

 

O pesquisador Willy Beçak na companhia da esposa Maria Luiza Beçak e de seus três filhos: Christina, Rejane e Rubens

“Eu e minhas duas irmãs mais novas passeávamos pelo Butantan enquanto meus pais trabalhavam. Era algo muito natural para nós, embora talvez fosse diferente para outras pessoas ter pais cientistas. Lembro bem dele trabalhando na genética humana e minha mãe na genética animal no Butantan”, conta o professor associado da USP Rubens Beçak, de 62 anos, filho mais velho do geneticista.

O Laboratório de Genética do Instituto Butantan foi pioneiro nos estudos citogenéticos dos cromossomos humanos no Brasil, originando a primeira pesquisa sobre Síndrome de Down publicada no país.

“Não havia genética de microrganismos no Brasil. Tanto assim que eu mesmo comecei fazendo genética de drosófila. Depois comecei a me interessar pela genética humana, quando esta dava os primeiros passos”, disse ele, em entrevista publicada sob o título “Sobre a história da Genética no Instituto Butantan”, dada aos pesquisadores Nelson Ibañez e Fan Hiu Wen em 2008.

O geneticista também trabalhou para a implementação da Fundação Butantan, braço do instituto criado em 1989, que permitiu a entrada de aportes e recursos humanos necessários para o avanço da produção de imunobiológicos do instituto.

“Ele teve um papel muito importante no Butantan, sendo pesquisador da genética, divulgador científico por meio de livros e do ensino da biologia e pelo entendimento da importância da implementação da Fundação Butantan, criando um braço com maior agilidade para tratar de questões contratuais e comerciais, necessárias ao crescimento da instituição”, afirma a diretora do Centro de Desenvolvimento e Inovação do Instituto Butantan (CDI), Ana Marisa Chudzinski-Tavassi.

 

Pioneirismo brasileiro

O bacharel em História Natural (nos anos 1950, era esse o nome do curso de Biologia), com especialização em Bioestatística e Medicina Nuclear pela USP, ingressou no Butantan em 1956, a convite do então diretor da instituição Afrânio do Amaral (1894-1982) com o intuito de renovar a equipe de pesquisadores dominada por médicos. O jovem recém-formado teve carta branca para iniciar as pesquisas em genética no Butantan, algo que nenhum instituto brasileiro havia feito até então porque a área ainda engatinhava mundo afora. 

Foi em 1953 que os cientistas James Watson e Francis Krick descreveram a dupla hélice de DNA e em 1956 que o médico e geneticista francês Jérôme Lejeune descreveu a primeira anomalia cromossômica relacionada a uma síndrome humana, a trissomia do cromossomo 21, na época chamada de mongolismo.

Junto de Maria Luiza Beçak, Willy tornou o laboratório um polo de estudos de citogenética humana e médica do país, com pesquisas publicadas em renomadas revistas como a Science.

“Em três ou quatro anos publicamos muitos artigos com síndromes novas e mostrando que tinham ou não anomalias cromossômicas. Foi uma época extremamente produtiva no Butantan, o número de trabalhos publicados pela Genética era maior do que todo o instituto junto”, disse Willy na mesma entrevista.

O espaço ganhou reconhecimento nacional e internacional e atraiu vários cientistas estrangeiros ao Butantan, ao mesmo tempo em que promoveu o intercâmbio de outros pesquisadores.

“O laboratório dele era o mais moderno e respeitado. Recebia muitos pesquisadores estrangeiros, incentivando a presença de lideranças científicas no instituto, o que fez grande diferença para a projeção internacional do Butantan”, destaca Ana Marisa. 

 

Solenidade onde o diretor Willy Beçak inaugura novas instalações do Instituto Butantan, com a presença do governador de São Paulo André Franco Montoro, e do ministro da Saúde Roberto Figueira Santos

 

Reconhecimento internacional

Um destes cientistas era o biólogo molecular Susumo Ohno (1928-2000), do City of Hope Medical Center, na Califórnia, responsável pelo conceito de evolução por duplicação genética. O renomado geneticista nipo-americano havia se impressionado com a tese de doutorado de Beçak, defendida em 1964, que mostrou pela primeira vez, em um estudo comparativo de evolução de várias serpentes, a origem dos cromossomos sexuais em vertebrados inferiores. 

Susumo convidou Beçak para passar uma temporada no centro de pesquisa dos Estados Unidos, época que Rubens mantém na memória.

“Meus pais participavam de muitos congressos, simpósios e encontros nacionais e internacionais e nós os acompanhávamos em muitos eventos. Lembro bem da nossa temporada na Califórnia, apesar de ser pequeno na época. Tínhamos muito orgulho deles e sabíamos o quanto eram famosos em suas áreas de atuação”, conta Rubens.

Em três meses nos Estados Unidos, Beçak e Maria Luiza publicaram seis trabalhos em revistas internacionais, pelos quais voltaram a revolucionar o estudo em genética.

“Provamos duas coisas: a evolução do mecanismo cromossômico de diferenciação sexual e a constância da quantidade de DNA no genoma nas diferentes espécies. Passou a ser uma teoria aceita até hoje; está em todos os livros de genética, tornou-se clássica”, disse Beçak na entrevista.

 

Polo de imunologia

Já na diretoria do instituto, sua administração foi marcada pelo início do processo de modernização na produção de soros e vacinas, utilizando recursos de dois programas: o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e o Programa de Autossuficiência Nacional em Imunobiológicos (PASNI), do Ministério da Saúde. 

“E assim criamos a Imunologia Viral, a Imunoquímica, a Imunogenética, a Imunopatologia. O importante era ter uma massa de gente trabalhando, trazendo alunos e criando”, disse ele na entrevista aos pesquisadores.

Na época, também membro da Sociedade Brasileira de Genética (SBG) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o geneticista convivia com a dificuldade de financiamento da ciência no país, o que o impulsionou a criar a Fundação Butantan.

“Ele participava ativamente da comunidade científica onde havia um intercâmbio de ideias e a exposição de dificuldades e das limitações. De alguma maneira, ele percebeu que instituindo uma fundação de apoio, com objetivos bem delineados, conseguiria ter uma mobilidade maior de verba e contratos, o que até hoje é um sucesso”, afirma Rubens.

Com os aportes, o então diretor implantou no Butantan projetos de reestruturação, capacitação, padronização de procedimentos e adequação às Boas Práticas de Fabricação (BPF), viabilizando a produção de novas vacinas bacterianas e a de raiva para uso humano, entre outras.

 

Títulos acadêmicos

Entre diversas conquistas, em 26 de maio de 1991, Willy Beçak foi empossado como membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Em 1996, tornou-se comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, honraria concedida pelo governo federal no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Nos mais de 60 anos de contribuições à ciência, Willy Beçak ministrou vários cursos de graduação, especialização e pós-graduação, orientou cerca de 100 estagiários e 20 teses de pós-graduação para mestrado e doutoramento na USP e na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi membro de 11 sociedades científicas nacionais e oito internacionais, como a International Cell Research Organization (ICRO), o Institute for Advanced Learning of Medical Genetics e a United States-Israel Binational Science Foundation

Publicou mais de 170 artigos científicos em revistas internacionais e nacionais, apresentou mais de 240 comunicações científicas em congressos e simpósios nacionais e internacionais e publicou 13 livros sobre biologia, evolução e genética no Brasil e no exterior. Em 2007, Willy Beçak foi nomeado cidadão paulistano.

Pesquisador científico nível VI do estado de São Paulo, o professor Beçak, como era conhecido, foi ainda chefe de pesquisas e pesquisador científico nível I-A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, membro do Conselho da Fundação Oswaldo Cruz, e do Conselho Curador do Espaço-Museu da Vida e Museu de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

“Resumir o legado do professor Beçak sempre será um grande desafio, mesmo para aqueles que tiveram a oportunidade de aprender e se entusiasmar com a forma ávida com a qual o ‘professor’ ensinava seu ofício. Ele deixa um grande legado à história da ciência brasileira, sobretudo àqueles que tiveram a honra de conhecer e trabalhar ao seu lado”, afirma o biólogo Rodrigo Araldi, do Laboratório de Genética do Butantan.

Além do legado para a ciência, Willy Beçak marcou uma geração de cientistas pelo trato que tinha ao abordar ideias e soluções.

“Meu pai era um indivíduo cientista, mas também um homem muito gentil. Desde seu falecimento, nós vemos pessoas se lembrando de seus conselhos, que ele dava tanto na área científica, quanto na vida também. Era um homem que não elevava a voz, muito cordato, simpático e carismático ao falar”, conclui Rubens.

Willy Beçak deixa a esposa Maria Luiza Beçak, de 88 anos; o filho Rubens Beçak, de 62 anos; a filha Rejane Beçak de Paula Leão, de 61 anos; a filha Christina Beçak, de 58 anos; os netos Luísa Beçak, de 33 anos, Carlos Caetano Beçak, de 28 anos, Carlos Ricardo Beçak, de 26 anos, e Sofia Beçak, de 25 anos; a bisneta Marina, de 4 anos, e incontáveis amigos.

 

Reportagem: Camila Neumam

Fotos: Arquivo pessoal e Centro de Memória do Instituto Butantan