A estratégia utilizada para produzir a ButanVac, candidata a vacina contra a Covid-19 desenvolvida pelo Instituto Butantan em um consórcio internacional, tem o potencial de ampliar a capacidade mundial de fabricação de imunizantes contra a Covid-19 e diversas outras doenças. Isso porque a ButanVac é produzida em ovos, assim como a vacina da gripe, plataforma que já é usada por mais de 30 produtores em 18 países no mundo, afirma o virologista Florian Krammer, professor da Icahn School of Medicine do Hospital Mount Sinai, dos Estados Unidos, entidade parceira do Butantan no desenvolvimento do imunizante.
O cientista esteve no instituto no começo de novembro para participar do workshop “Emerging infectious diseases: biology, prevention and treatment”, promovido pelo International Centre for Genetic Engineering and Biotechnology (ICGEB) e sediado pela primeira vez no Brasil. Em sua palestra, ele abordou a tecnologia de aplicação vacinal do vírus da Doença de Newcastle (NDV), utilizada para a produção da ButanVac.
“É uma excelente combinação: nós, de Mount Sinai, temos a tecnologia para produzir o vírus de Newcastle modificado, que é inofensivo para humanos, e o Butantan tem uma ampla experiência em desenvolver vacinas em ovos. É muito importante que os países tenham autonomia para produzir as próprias vacinas, e essa parceria contribui justamente para isso”, apontou Florian em entrevista ao Portal do Butantan.
O NDV modificado utilizado na ButanVac contém a proteína Spike do SARS-CoV-2 estabilizada. No Butantan, esse vírus é inoculado em ovos embrionados de galinha, onde se replica muito bem (assim como o vírus da influenza). A mesma plataforma é usada para produzir vacinas contra a gripe em países como Austrália, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Irã, Japão, Vietnã e Estados Unidos, em um total de 40 fábricas.
“Para muitas novas tecnologias, como RNA mensageiro, há pouca capacidade de produção no mundo. Nossa ideia era: como usar a capacidade já existente para produzir uma vacina contra a Covid-19? Foi aí que pensamos na plataforma da vacina da gripe, que é mais barata e muito bem estabelecida no mundo”, destacou.
Florian é professor de vacinologia no departamento de microbiologia em Mount Sinai e estuda as interações entre anticorpos e proteínas virais para o desenvolvimento de vacinas e anticorpos monoclonais contra doenças respiratórias como gripe, Covid-19 e rotavírus. É membro do conselho editorial das publicações Journal of Virology, Plos One e Heliyon, e é revisor de pares em mais de 30 revistas científicas.
Alvos para novas vacinas
Segundo Florian, a plataforma vacinal da ButanVac não se limita à Covid-19: ela pode ser aproveitada para o desenvolvimento de vacinas contra diversas outras doenças. “Nós estamos interessados em desenvolver uma vacina contra RSV (vírus sincicial respiratório), contra o vírus de Lassa e contra o H5N1, por exemplo, devido ao seu potencial pandêmico. Mas existem vários outros vírus que contêm glicoproteínas que poderiam ser aplicadas na partícula NDV por meio de engenharia genética para produzir uma vacina.”
O vírus sincicial respiratório é a principal causa dos casos de infecções respiratórias em bebês e crianças pequenas, responsável por até 75% das bronquiolites e 40% das pneumonias, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria. Já o vírus de Lassa, endêmico nos países da África Ocidental, provoca febre hemorrágica que, em casos graves, pode levar à falência dos órgãos.
Ensaios clínicos da ButanVac
Com a primeira fase do estudo clínico da ButanVac concluída, a fase 2 terá início no começo de 2023, após aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicada em 29/11. Serão incluídos 400 voluntários adultos, sendo 50% idosos. Resultados anteriores da fase 1 conduzidos no Brasil, na Tailândia e no Vietnã já mostraram que a vacina tem um alto perfil de segurança, com reações adversas leves, e induz um nível elevado de anticorpos.