Portal do Butantan

Soros salvam | “Pensei que era picada de inseto, mas era de cobra”: criança de 3 anos é socorrida pela avó e salva por soro contra jararaca

Avaliação clínica e da coagulação feita no Hospital Vital Brazil, do Butantan, comprovou diagnóstico; saiba o momento certo de buscar atendimento médico


Publicado em: 10/01/2025

Reportagem: Camila Neumam
Fotos: José Felipe Batista e Isabela Della Torre Oliveira

A família já dormia na noite de 14 de dezembro de 2024, um sábado, quando a pequena Mariana*, de 3 anos, acordou para ir ao banheiro por volta das 21h. Com a independência típica de uma menina recém saída das fraldas, ela já se sentia à vontade para usar seu peniquinho sozinha.

Enquanto fazia xixi, Mariana estendeu a mão para acessar a caixa de brinquedos que fica ao lado do objeto.

Ao sentir uma fisgada, deu um grito que fez a avó pular da cama e correr para ver o que tinha acontecido. A mão esquerda da menina sangrava. A avó, sem entender o ocorrido, acudiu a neta, que estava aos prantos. 

- “O que aconteceu, Mariana?”, perguntou a avó.

- “Uma baratona me mordeu”, respondeu ela.

Criança foi picada por jararaca na mão, mas família pensou ser picada de mosquito

 

Atordoada, a aposentada Maria Regina Santos de Paula, de 63 anos, limpou a mãozinha da neta com álcool gel e depois começou a procurar o que poderia ter causado aquilo. 

“Moramos em Taipas, uma região que tem bastante mata, e quando achei um besouro caído perto dos brinquedos, coloquei ele dentro de um pote fechado pensando ser a ‘tal barata’”, lembra dona Regina. 

Na manhã seguinte, a mão de Mariana estava bem inchada e arroxeada. Regina não pensou duas vezes e correu com ela para o hospital mais próximo, com o pote em mãos.

Por lá, Mariana recebeu um analgésico e um antialérgico e foi liberada. A hipótese levantada pelos profissionais era uma possível reação alérgica à picada do inseto. 

 

Reação do veneno da jararaca causou inchaço na mão e no braço da menina

 

Preocupada, dona Regina pediu para a neta ficar sob observação, pois o edema já atingia o bracinho direito e a menina se queixava de dor.

Um novo corpo médico supôs a possibilidade de ser um acidente com animal peçonhento, mas ainda havia dúvidas sobre o agente da picada.

Médicos do Hospital Vital Brazil (HVB), localizado no Parque da Ciência Butantan, foram acionados para ajudar a identificar a origem do ferimento.

O hospital é reconhecido pelo seu corpo médico especializado em detectar e tratar acidentes com animais peçonhentos.

Apesar de descreverem como uma picada de inseto, o quadro clínico não estava condizente porque a criança já apresentava um inchaço muito importante na mão e uma equimose [rouxidão] que estava progredindo para o braço sem melhora. Esses sinais são mais condizentes com acidente botrópico [causado por jararaca]”, afirma a médica do Hospital Vital Brazil Roberta de Oliveira Piorelli**, que pediu o encaminhamento da criança para a unidade. 

Dona Regina (a avó) e a neta andam pelo corredor do Hospital Vital Brazil

 

Diagnóstico

Mariana foi transferida na manhã de segunda-feira para o HVB, onde fez exames de sangue que detectaram baixa coagulação no sangue – outro indicador de acidente com jararaca.

A mão da pequena estava tão inchada que ela não conseguia mais mexer os dedinhos. 

“Temos um serviço para médicos de outras unidades pelo qual recebemos fotos dos animais que causaram o acidente, para que se possa fazer a identificação, e fotos das lesões para uma avaliação à distância do paciente. Assim, foi constatado que o quadro clínico da paciente era de fato incompatível com picada de inseto”, esclarece Roberta.

Fechado o diagnóstico, Mariana foi tratada com medicação analgésica e antialérgica para depois receber seis frascos de soro antibotrópico, medicamento preconizado para casos de picada de jararaca.

O soro é um dos 12 antivenenos produzidos pelo Instituto Butantan, o maior produtor dessas imunoglobulinas no país, indicadas para neutralizar venenos de diferentes animais peçonhentos, como serpentes, aranhas e escorpiões. 

 

A mão e braço direito desincharam bastante poucas horas após a aplicação do soro

 

Menos de 24 horas após a aplicação do soro, Mariana, que chegara ao hospital abatida, já estava saltitante. Seus gritinhos alegres eram ouvidos no corredor do HVB, por onde pulava atrás de uma bexiga feita de luva cirúrgica.

Para avaliar se ainda ocorreria alguma reação alérgica ao soro, a pequena ficou três dias no hospital, tempo suficiente para visitar algumas vezes o Macacário do Parque da Ciência. 

“Olha o macaquinho, vó”, dizia ela, impressionada com a destreza dos símios que pulavam entre cordas.

Enquanto os olhos estavam pregados nos animais, o punho esquerdo mantinha o acesso venoso. A mão direita, por sua vez, praticamente desinchada, não desgrudava da mão da médica Isabela Della Torre Oliveira, residente do HVB, que a levou ao local algumas vezes. 

“Em uma cidade como São Paulo pode parecer que acidentes assim não acontecem, ainda mais quando não se vê o animal, o que dificulta o atendimento precoce. Por isso é importante ter um centro especializado neste tipo de atendimento”, reflete Isabela.

 

A pequena paciente observa os animais do Macacário do Parque da Ciência Butantan

 

De fato, o diagnóstico de picada de cobra fica ainda mais difícil de ser feito quando não há perfuração profunda das presas e quando envolve crianças muito pequenas, que não conseguem relatar o acidente com clareza.

“Na mesma semana conversei por telefone com um médico de outro hospital que tinha atendido uma família que também havia achado que a criança tinha sido picada por um inseto no parquinho, mas ela tinha sido picada por uma jararaca”, esclarece Roberta Piorelli.

Dona Regina entendeu que casos como o de Mariana acontecem com mais frequência do que se supõe, e desde então ressalta a importância de ter pedido ajuda médica.

Eu nunca imaginei que uma cobra poderia ter mordido a minha neta. Por não ter experiência, para mim era apenas uma picada de inseto. Mas se eu não a tivesse levado para o hospital, ela poderia ter perdido o braço ou não estaria mais aqui”, conta a avó, emocionada. 

 

Aliviada, dona Regina se emociona ao saber que a neta está recuperada

 

Quando ir ao hospital?

Em caso de envenenamento por picada de jararaca, é necessário procurar o hospital mais próximo para a administração do soro, feita somente em ambiente hospitalar. 

O soro antibotrópico é capaz de neutralizar o veneno dessa espécie de serpente e evitar sintomas críticos causados por ele, como hemorragias, danos renais e cerebrais, que podem levar a óbito.

A ação do veneno de jararaca é capaz ainda de causar necrose na pele, o que pode levar a amputações se não for tratada em hospital. 

Como ocorre um aumento natural de acidentes com animais peçonhentos em épocas de férias e temperaturas altas, Roberta Piorelli cita possíveis sinais que indicam a necessidade de procurar atendimento médico.

A picada causada por envenenamento tende a não melhorar, diferente da picada de mosquito ou de formiga. Se houve uma picada que tomou uma forma diferente, que piora de um dia para o outro, que causa um inchaço fora do comum, que causa febre e dor constante impedindo a criança de brincar ou de comer, leve ao hospital o mais rápido possível”, ressalta a médica.

 

Dona Regina: "os responsáveis têm que prestar atenção na queixa da criança e procurar ajuda médica"

 

Para dona Regina, o desfecho de situações como a de sua neta depende sobretudo da capacidade dos pais e responsáveis de prestar atenção nos sinais e nas queixas das crianças.

“Como adultos, temos que ter atitude porque às vezes a criança não sabe se expressar. Temos que prestar atenção no que a criança está passando e no que estamos vendo. Eu só tive certeza que era algo diferente quando reparei no braço dela e agradeço aos médicos por terem descoberto e por toda a atenção que tiveram com a minha neta”, conclui dona Regina.

 

*O nome da criança foi trocado a pedido da família

** Texto validado pela médica Roberta de Oliveira Piorelli, do Hospital Vital Brazil do Instituto Butantan