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De surtos a pandemias, como as doenças se espalham com a nossa “ajuda”

Durante toda a história da humanidade convivemos com doenças que, de vez em quando, extrapolam os limites territoriais de um país ou continente e alcançam o mundo todo, causando o que conhecemos como pandemia. Mas como é possível que essas enfermidades, localizadas em pequenos pontos, evoluam para um nível global, causando medo e óbitos? Uma série de fatores pode influir nesse processo, desde uma simples viagem de avião até hábitos culturais que expõe os seres humanos a patógenos além de, em algumas situações, aproximarem diferentes espécies de hospedeiros (como humanos e animais, por exemplo).

 

Pandemia

Atualmente, quem define o que é pandemia ou não é a Organização Mundial da Saúde (OMS), com base em uma série de critérios e nos dados apresentados pelos diversos países. A Covid-19, por exemplo, foi definida como pandemia no dia 11/3/2020 quando já havia 118 mil casos e cerca de quatro mil mortes em 114 países diferentes.

Em relação à gripe – uma das doenças que mais gerou epidemias ao longo da história – a OMS desenvolveu um plano que define as fases de uma pandemia (1-6), e faz recomendações para medidas nacionais antes e durante uma situação desse tipo.

Fase 1: Não há subtipo novo de vírus (os vírus Influenza são classificados em subtipos).

Fase 2: Não há um subtipo novo caracterizado, mas a doença está contaminando animais e pode causar spillover (transbordamento: quando um agente infeccioso, como um vírus, consegue se adaptar ou migrar de uma espécie de hospedeiro para outra).

Fase 3: Já está contaminando seres humanos com um novo subtipo que veio de outra espécie.

Fase 4: Quando já há pequenos focos de pessoas contaminadas (transmissão entre humanos).

Fase 5: Os focos de pessoas contaminadas aumentam, mas ainda são localizados.

Fase 6: A doença se expande para diversos locais e a transmissão de humano para humano já é efetiva.

 

Expansão de doenças

Alguns fatores influenciam para que patógenos (como os vírus) circulem pelo mundo todo. O tráfego aéreo e as vias de transmissão dos diferentes agentes infecciosos são as principais. A rápida circulação, tanto de pessoas como de animais, favorece o contágio entre continentes muito rapidamente. “Tem gente que sai daqui de noite, chega ao destino, faz uma reunião e volta”, exemplifica a virologista do Laboratório de Parasitologia do Butantan Isabel Guedes de Carvalho.

A forma como é feita a transmissão do vírus também é um componente que influencia no contágio global. O HIV (vírus causador da AIDS) é considerado uma pandemia, mas como sua forma de propagação pode ser controlada com mais facilidade, a taxa de transmissão é baixa. Ao contrário, o SARS-CoV-2 não é facilmente controlado, pois é um vírus respiratório, ou seja, se dissemina por gotículas que saem quando falamos ou por secreções, contaminando o ar e superfícies.

Quando um patógeno leva a óbito em uma velocidade maior que a de transmissão, é possível ver uma disseminação menor da doença. O vírus necessita de uma célula para sobreviver; se a enfermidade mata seu hospedeiro com muita rapidez, ele não consegue se disseminar. A infecção pelo vírus Ebola, por exemplo, pode levar o paciente à morte entre seis a 16 dias após o início dos sintomas. Além disso, a forma de transmissão mais conhecida é por meio de contato com o sangue ou outros fluidos biológicos de um ser humano ou animal infetado, o que favorece a implementação de medidas de contenção do agente.

 

Transmissibilidade dos vírus

Para um vírus vir a se tornar muito ou pouco transmissível, ele precisa encontrar um ambiente em que seja possível fazer o ciclo replicativo (ou seja, as ações do vírus com o objetivo de se propagar) de forma eficiente. É mais uma relação entre o vírus e o hospedeiro do que do patógeno individualmente. “Tem que funcionar igual a uma engrenagem. O vírus tem que encontrar a célula que tem o receptor, aquela célula tem que fazer o ciclo replicativo do vírus completo e liberar a partícula viral efetiva para que possa infectar novas células, ou seja, transmitir”, diz Isabel.

 

Adaptação dos vírus

Nos vírus de RNA, existem enzimas que fazem a cópia do genoma pareando nucleotídeos C, U, G e A. Durante esse processo, é possível que o pareamento dos nucleotídeos seja feito de forma incorreta e isso vai criando alguns genomas com erros (comparados aos originais), dando origem às variantes. No decorrer do processo de replicação e transmissão, a população viral (formada por genomas virais não exatamente iguais, ou variantes) poderá sofrer um processo de pressão seletiva positiva e selecionar variantes que favoreçam todo o processo (ligação vírus/célula, ciclo replicativo) e, com isso, passar a se propagar de forma mais efetiva.   

O fato do vírus se mostrar mais adaptado para um sistema não quer dizer que a infecção causada por ele induz a sintomas mais ou menos graves, pois não é vantajoso para ele entrar na célula e levar o hospedeiro a óbito. “Se ele entrar e matar a célula, o vírus não vai ter mais a maquinaria necessária para se replicar”, conta a virologista.

 

Forma de identificar doenças antes de se tornarem uma pandemia

“Acho extremamente importante o governo dos países terem um programa sentinela”, afirma Isabel. Programa sentinela são programas para monitoramento de diferentes áreas que fazem o acompanhamento de sintomas mais graves ou diferentes de doenças conhecidas. Com isso, é possível descobrir se há uma nova doença (ou agente) surgindo. Um exemplo disso é o SARS-CoV-2: os primeiros casos eram diagnosticados como pneumonia atípica, seguido por Síndrome Respiratória Aguda Grave até chegar ao conhecimento que era causada pelo vírus SARS-CoV-2. Um programa sentinela consegue detectar estes casos rapidamente e sinalizar os agentes de saúde pública para medidas preventivas de alastramento e estudos mais aprofundados.

O Brasil tem um programa sentinela do Ministério da Saúde junto com a Secretaria de Vigilância em Saúde para o vírus influenza, que identifica as novas cepas circulantes da doença. “Implementar esse programa para outras doenças é fundamental”, completa a pesquisadora.