Portal do Butantan
English

Hibernação, brumação e torpor: entenda por que alguns bichos adotam o “modo soneca” durante o inverno

Estratégias são utilizadas por espécies do reino animal para economizar energia e garantir a sobrevivência durante o período de baixas temperaturas, quando há pouca disponibilidade de alimentos


Publicado em: 15/08/2025

Reportagem: Natasha Pinelli
Imagens: Renato Rodrigues/Comunicação Butantan, Myriam Calleffo e Shutterstock

Com a chegada do frio, é comum algumas espécies de répteis e mamíferos ficarem mais lentas e sonolentas, muitas vezes chegando a dormir por meses a fio, sem nem mesmo acordar para fazer xixi ou cocô. Essas estratégias de sobrevivência ao inverno se dividem em três tipos, de acordo com a “profundidade” do soninho: hibernação, brumação e torpor.

“O objetivo desses mecanismos é fazer com que os animais economizem energia para enfrentar o frio e a falta de alimento durante os meses de baixas temperaturas”, explica a bióloga e idealizadora do Reptário e do Biotério Semiextensivo de Quelônios e Lagartos do Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEv) do Butantan, Myriam Elizabeth Velloso Calleffo. 

Se você também faz parte do time que sofre para sair da cama nas manhãs frias, apelando para o clássico “só mais cinco minutinhos” enquanto se esconde nas profundezas das cobertas, vale a pena conhecer – e, por que não?, invejar – as sonecas mais comuns do reino animal durante o inverno. Confira:
 

Marmota com parte do dentes da frente a mostra em uma gramado na natureza
A marmota é uma espécie de mamífero capaz de hibernar por meses seguidos (Foto: Shutterstock)


Hibernação: o sono profundo dos mamíferos

Até pouco tempo, o termo “hibernação” era usado para todos os animais que ficam mais “preguiçosos” durante os meses de frio, sem diferenciar aqueles que caem em sono profundo dos que fazem um cochilo mais leve.

“Hoje, sabemos que a hibernação é a capacidade que certos mamíferos, como morcegos, esquilos, marmotas e ouriços, têm de dormir profundamente por meses seguidos”, esclarece Myriam Calleffo. E, não, os ursos não hibernam. Eles fazem parte de uma outra categoria de dorminhocos que vamos explicar mais à frente nesta história de frio e preguiça.

A preparação para a hibernação começa meses antes, ainda no calor, quando a oferta de alimentos é alta e os animais enchem a pança para fazer uma “reserva de energia”. 

Quando a temperatura começa a cair e os dias se tornam mais curtos, eles logo procuram uma toca para se abrigar. A fim de que suas baterias não “descarreguem” durante a hibernação, eles baixam a temperatura corporal e respiram lentamente; também regulam o coração, que passa a bater mais devagar. 

Capazes de hibernar por um longo período, bichos como a marmota e o lêmure chegam a dormir por incríveis sete meses seguidos! Mas despertar de uma soneca tão profunda não é nada fácil: o processo pode demorar horas e vai exigir boa parte da energia que ainda resta.
 

Iguana com o corpo verde e manchas escuras em cima de uma pedra
Iguana tomando sol em cima de uma pedra no recinto do Laboratório de Ecologia e Evolução do Butantan (Foto: Myriam Calleffo)


Brumação: o cochilo leve dos répteis

Serpentes, lagartos, tartarugas, cágados, jabutis, crocodilos e jacarés são animais ectotérmicos. Isso significa que eles não regulam a temperatura automaticamente, e dependem do calor do lugar onde vivem para ficarem quentes ou se refrescar – diferente dos mamíferos e das aves, que são endotérmicos e conseguem manter o calor do corpo.

Essa particularidade na regulação da temperatura influencia a distribuição e o comportamento das espécies, sendo que algumas delas apresentam “truques” para aumentar ou diminuir a temperatura do organismo.

Os répteis, por exemplo, costumam ficar confortáveis quando o ambiente está entre 23 e 26 graus. Por isso, na natureza, é comum encontrá-los “lagarteando, jiboiando ou jacarezando ao sol” – conhecia essas expressões? Eles buscam um lugar ao sol para regular a temperatura do corpo nas praias, rios e, principalmente, sobre troncos, pedras ou rochas, que costumam esquentar rapidamente com os raios solares. 

 

Lagarto teiú em ambiente sombreando na terra

Após período de brumação, lagarto teiú procura pelo sol para regular a temperatura do corpo (Foto: Myriam Calleffo)

 

Nos dias frios, quando esses bichos não conseguem se aquecer, eles procuram um abrigo. Lá, eles mantêm a temperatura baixa para economizar energia e diminuem o ritmo respiratório e cardíaco, adotando uma estratégia de sobrevivência conhecida como brumação.

“Trata-se de um estado de dormência, menos profundo que a hibernação. Nele, os répteis são capazes de despertar, chegando a sair da toca para tomar sol, beber água e, em alguns casos, se alimentam quando estão ativos, uma vez que não possuem grande estoque energético”, pontua Myriam Calleffo. 

A estratégia pode ser observada entre teiús, jabutis, iguanas e tartarugas, que “cochilam” por vários dias ou semanas nas épocas mais frias do ano. No Brasil, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, onde o inverno tem dias de temperatura amena pela manhã e momentos mais quentes à tarde, a prática é comum. 
 

Urso na natureza escondido em uma toca

Urso escondido em abrigo durante o inverno (Foto: Shuttesctock)


Torpor: a soneca estratégica

Quando o mar não está para peixe, ou melhor, quando o inverno está rigoroso e os animais passam longos períodos sem comer, algumas espécies acabam entrando em torpor: um estado de baixa atividade e diminuição da temperatura corporal que acontece com ursos, gambás, guaxinins e beija-flores.

Assim como na hibernação, os bichos em torpor respiram lentamente e têm batimento cardíaco baixo. Eles entram nesse “modo” quase que sem perceber, devido às condições do ambiente onde vivem, a fim de economizar energia por causa do frio e da falta de alimento.

No caso dos ursos, o torpor pode até se estender por meses; porém, eles não “dormem” tão profundamente como os animais que hibernam. “Se alguém cutucar um urso em torpor, ele vai acordar e se defender”, brinca Myriam Calleffo.

Em outras situações, o estado dura apenas algumas horas. O beija-flor, por exemplo, pode entrar em torpor todas as noites, apesar de ser muito ativo durante o dia. No modo “reserva”, a ave consegue “resfriar” o corpo e quando precisa ficar quentinha novamente, bate as asas inúmeras vezes, aumentando seu fluxo sanguíneo.