A diretora técnica de produção de soros do Instituto Butantan, Fan Hui Wen, foi uma das convidadas do podcast Global Health Matters, produzido pelo Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais da Organização Mundial da Saúde (TDR/OMS). A iniciativa discute o combate a doenças tropicais negligenciadas, como os acidentes ofídicos, e faz parte das estratégias traçadas pela OMS para reduzir em 50% a mortalidade dos casos de envenenamento por picada de cobra e aumentar em 25% a disponibilidade de soros antivenenos em todo o mundo até 2030.
Além da médica infectologista brasileira, outros dois especialistas participaram do episódio “Gurus das picadas de cobras revelam verdades não ditas”: o português Diogo Martins, da organização não governamental Wellcome Trust, e Thea Litschka-Koen, fundadora e presidente da Eswatini Antivenom Foundation em Essuatíni, na África. Mediados pelo apresentador Garry Aslanyan, integrante do TDR/OMS e um dos mais reconhecidos líderes em saúde pública do mundo, os profissionais abordaram pontos considerados essenciais para que o ofidismo seja devidamente reconhecido e, consequentemente, tratado com sucesso.
Anualmente, o Instituto Butantan produz cerca de 600 mil ampolas de soros antiveneno
“Minha opinião é que ter uma boa distribuição de soros e profissionais de saúde bem treinados são componentes essenciais para o sucesso do controle do envenenamento por picadas de cobra”, disse Fan ao comentar algumas das complexidades associadas à produção e administração dos soros hiperimunes. No Brasil, atualmente os antivenenos só podem ser administrados por um médico em ambiente hospitalar, porém nem sempre há profissionais disponíveis ou uma estrutura de saúde a uma distância acessível.
Em 2021, por exemplo, quase 35% dos acidentes ofídicos foram registrados no Norte do país, de acordo com o Ministério da Saúde. A região tem a maior concentração de terras indígenas, unidades de conservação, assentamentos rurais e comunidades quilombolas do Brasil. Nessas áreas, onde muitas vezes o acesso à energia elétrica é desigual e escasso, a chegada e a conservação do soro são dificultadas, comprometendo a universalidade e o acesso ao tratamento.
A médica infectologista Fan Hui Wen está à frente da produção de soros hiperimunes do Butantan
Compromisso com a saúde pública
Ao longo da entrevista, Fan comentou sobre o papel desempenhado na América Latina pelos laboratórios públicos, como o Instituto Butantan, que são essenciais para o abastecimento da região. Sob a coordenação do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, desde 2018 os 13 produtores do continente atuam em uma grande rede de cooperação. O objetivo da iniciativa é compartilhar experiências, promover seminários e treinamentos, preparar diretrizes e desenvolver estudos clínicos, epidemiológicos e clínicos para o controle dos acidentes ofídicos na área.
“A solidariedade é a marca registrada dos laboratórios públicos de antiveneno em nossa região. Além do fornecimento do produto, acreditamos que o modelo como temos trabalhado nesses anos é uma forma de outros países alcançarem ou desenvolverem suas próprias curvas de aprendizado, considerando seus aspectos locais e culturais”, afirmou.
Disponível nos principais tocadores, como Apple Podcasts, Spotify, Google Podcasts e Amazon Music, o programa Global Health Matters tem linguagem simples e de fácil compreensão, sendo recomendado para profissionais de saúde e para o público em geral. Apesar de gravado em inglês, há uma versão legendada e transcrição em português no site oficial da TDR.
A OMS estima que 5,4 milhões de pessoas são picadas por cobras anualmente em todo o mundo. Dessas, mais de 400 mil vivem o resto de suas vidas com sequelas graves, enquanto outras 100 mil acabam morrendo por conta do envenenamento – especialistas acreditam que os números são subestimados. Só no Brasil, mais de 31 mil casos foram registrados em 2021.
Além de fornecer o soro antiveneno ao Ministério da Saúde, o Butantan contribui de diversas maneiras no combate ao ofidismo. Nos últimos tempos, o Instituto colaborou na atualização do guia de controle e produção de qualidade dos soros da OMS e na elaboração de um guia de diagnóstico e tratamento de acidentes por picadas de cobra na América Latina. De acordo com Fan, tais contribuições são um aceno ao reconhecimento e à competência centenária da instituição no estudo e desenvolvimento do produto.
Reportagem: Natasha Pinelli
Fotos: Comunicação Butantan