Reportagem: Aline Tavares
Fotos: Renato Rodrigues
Desenvolvida na década de 1970, a técnica de DNA recombinante consiste em isolar determinados genes de um organismo e transferi-los para outra espécie, que passa a replicar e expressar aquele DNA. Ela foi criada pelos cientistas norte-americanos Stanley Cohen, Herbert Boyer e Paul Berg, e logo passou a ser usada para clonar proteínas importantes para a saúde humana. Em 1977, por exemplo, Boyer conseguiu expressar em bactérias o hormônio somatostatina, do cérebro humano, que ajuda na regulação do hormônio do crescimento. A tecnologia também teve impacto na agricultura, melhorando a resistência e produtividade de diferentes plantas a partir da manipulação genética.
Esta lógica também está na base da criação das vacinas recombinantes, nas quais o gene da proteína de um vírus, por exemplo, é introduzido em um microrganismo capaz de produzir muitas cópias daquela proteína. Esses microrganismos, geralmente bactérias ou leveduras, são chamados de sistemas de expressão. O produto final, considerado uma proteína recombinante, é purificado e usado para compor o imunizante, que vai proteger de maneira eficiente e segura contra a doença causada pelo vírus de interesse.
A vacina recombinante pode ser composta somente pelas proteínas purificadas de um patógeno, ou então por um microrganismo vivo e enfraquecido que produz a proteína e a libera dentro do organismo vacinado. É o caso do imunizante contra tuberculose em desenvolvimento no Instituto Butantan, composto pelo BCG enfraquecido (bacilo causador da doença bovina) que carrega uma proteína não tóxica da bactéria E. coli para potencializar a resposta imune.
“Isso significa que o gene de uma espécie de bactéria [E. coli] foi inserido em outra espécie [BCG], que agora produz a proteína dentro dela. Por isso é recombinante”, explica a pesquisadora Luciana Leite, do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Butantan, responsável pelo estudo da nova candidata vacinal.
Já o imunizante BCG tradicional – aquele que deixa a famosa marquinha no braço – é atenuado, mas não recombinante, pois contém somente o BCG enfraquecido.
A primeira vacina recombinante feita no mundo em grande escala foi a da hepatite B, desenvolvida a partir da inserção de genes do vírus em leveduras do tipo da Sacharomices cerevisiae, que produzem a proteína viral usada no imunizante. Antes, as vacinas contra a doença eram feitas com a proteína derivada do plasma de pessoas com infecção crônica. Com a técnica recombinante, a fabricação deixou de depender da coleta de amostras de pacientes e a vacina se tornou mais segura, por reduzir chances de contaminação.
A vacina da hepatite B, particularmente, também é considerada uma VLP (sigla em inglês de "partículas semelhantes ao vírus"). “A proteína de superfície do vírus usada na vacina, HBsAg, tem a tendência de se agregar e se tornar uma VLP, ou seja, uma partícula que imita a estrutura viral. Esse é um dos motivos para a vacina gerar uma resposta altamente eficaz, principalmente uma resposta celular”, diz a pesquisadora.
Outra vacina recombinante que também é VLP é a do papilomavírus humano (HPV), que protege contra diferentes tipos de câncer, como o de colo de útero. Alguns imunizantes contra a Covid-19 também foram desenvolvidos de forma recombinante.
Proteínas recombinantes tratam diabetes e outras doenças crônicas
A tecnologia de DNA recombinante vai muito além das vacinas: proteínas recombinantes, por exemplo, são amplamente usadas como terapia para diversas doenças. A mais conhecida é a insulina, um dos principais tratamentos para diabetes, desenvolvido ainda na década de 1980. Genes da insulina humana são inseridos em bactérias ou leveduras para serem multiplicados, resultando em grandes quantidades purificadas do hormônio. O alto rendimento da tecnologia permitiu expandir o acesso do medicamento aos pacientes com diabetes, que somam mais de 400 milhões no mundo segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Outra terapia conhecida que utiliza a técnica são os anticorpos monoclonais humanos – proteínas produzidas em laboratório utilizando genes humanos. O Butantan possui uma transferência de tecnologia em andamento com a farmacêutica Sandoz para produzir o medicamento adalimumabe, um tipo de anticorpo monoclonal utilizado no tratamento de diferentes doenças autoimunes, como artrite reumatoide, doença de Crohn e psoríase.