Com certeza você já ouviu relatos de pessoas que adoeceram ou tiveram reações inesperadas depois de tomar uma vacina. É justamente para acompanhar esses acontecimentos que toda empresa fabricante de medicamentos, seja pública ou privada, é obrigada pela Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 406, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a ter um setor dedicado à Farmacovigilância – palavra que quer dizer, grosso modo, vigilância de produtos farmacêuticos.
Essa área disponibiliza canais de comunicação específicos para centralizar os relatos e atender a população da melhor forma possível, com informações sobre os possíveis efeitos adversos das vacinas e orientações sobre o que fazer caso a pessoa esteja apresentando algum sintoma. Os dados coletados pela Farmacovigilância são encaminhados à Anvisa e, dependendo da frequência e conteúdo dos relatos, são feitas alterações na bula e outros procedimentos. Todos esses processos seguem protocolos estabelecidos por lei – por isso, há limites do que a Farmacovigilância pode ou não fazer nos seus contatos com a sociedade civil.
Antes de mais nada, o que é um evento ou reação adversa?
Após tomar uma vacina, soro ou medicamento, é possível que algumas pessoas apresentem reações que podem ou não estar presentes em bula, os chamados eventos adversos. Também conhecida popularmente como efeito colateral, a reação adversa é a resposta que o organismo dá aos componentes de determinado produto. Por exemplo: dor de cabeça e dor no local da injeção são reações muito comuns à CoronaVac, vacina do Butantan contra a Covid-19. Mas se uma pessoa apresentar ataque de riso depois da aplicação, esse é considerado um efeito adverso não previsto em bula e será avaliado se pode ter sido causado pela vacina (o exemplo é meramente ilustrativo). “A Farmacovigilância monitora para ver se o produto está tendo mais benefício do que risco”, explica a gerente de Farmacovigilância do Butantan, Mayra Moura.
Acho que tive uma reação adversa. O que eu faço?
Todo e qualquer evento adverso que ocorra com uma pessoa após receber um imunizante deve ser comunicado ao setor de Farmacovigilância do fabricante. Só assim é possível assegurar a segurança e efetividade desse produto ao longo prazo. Além disso, a área também tem como objetivo acompanhar uma possível inefetividade, no caso de alguém tomar uma vacina e adoecer pela doença.
O canal do Butantan para a comunicação de eventos adversos é o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), que disponibiliza telefone (0800 701 2850), e-mail (sac@butantan.gov.br) e formulário digital para a população descrever seus relatos e quais foram as reações. As informações fornecidas entram em um banco de dados por meio do qual todos os eventos são monitorados.
A coleta de informações é mais uma ajuda da população para o Butantan do que o contrário, pois a investigação não é feita pela Farmacovigilância, e sim pela Vigilância Epidemiológica, que faz parte do Sistema Único de Saúde. O trabalho da Farmacovigilância é agrupar as informações fornecidas pelas pessoas que entram em contato e identificar se a vacina ou o soro são seguros. Por não investigar as reações, não é papel do setor interferir na conduta que será feita para avaliar a reação (isso quem faz é o médico) e nem notificar à população se aquele efeito colateral foi causado pela vacina. O trabalho consiste, essencialmente, em avaliar e informar se é um evento esperado.
Posso contar sobre meu evento adverso nas redes sociais do Butantan?
O Butantan possui contas oficiais no Facebook, Instagram, Twitter, Linkedin, Tik Tok e Youtube. Em todos esses canais é possível fazer comentários. Justamente por isso, as mídias sociais vêm sendo usadas pela Farmacovigilância para acompanhar quais relatos as pessoas mais apresentam. Ainda assim, esse não é o canal mais indicado para informar ao Butantan sobre uma reação adversa por uma série de motivos.
Um deles é a nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que não permite às empresas e instituições fazer questionamentos pessoais aos usuários de uma rede social em publicações. Por isso, a orientação do Butantan nos comentários é sempre buscar os canais oficiais do SAC. Por meio deles, que são privados, a equipe da Farmacovigilância poderá fazer perguntas e entender exatamente o que aconteceu, além de esclarecer o que a pessoa deve fazer dali pra frente.
Outro motivo é a descentralização dos comentários nas redes sociais. As mídias do Butantan recebem em média 200 a 300 comentários por postagem, e isso faz com que o relato possa ser perdido e não chegar ao banco de dados da Farmacovigilância – apesar do acompanhamento diário feito pela equipe do instituto.
Ok, entendi, preciso procurar o SAC do Butantan. E depois?
Após o contato e a conversa telefônica na qual são feitos todos os esclarecimentos, a Farmacovigilância classifica se aquele evento adverso é grave ou não – dependendo da gravidade, o prazo para notificar a Anvisa é diferente. Depois, é feito todo o processamento no banco de dados: quem notificou, quando recebeu o produto, qual foi o produto, quando apresentou os sintomas, o lote, qual foi a reação, se fez algum tratamento, se teve cura ou sequelas.
Nos casos dos eventos adversos graves, os médicos da Farmacovigilância avaliam o caso e o comunicam à Anvisa. De tempos em tempos, é enviado à Vigilância Sanitária um relatório com todos os eventos adversos coletados. No caso da CoronaVac, de mês em mês o órgão recebe um relatório que mostra o número de relatos graves recebidos, a quantidade de informantes, quantas reações tiveram, quais foram etc.
Uma dificuldade cotidiana é que, como toda notificação é feita espontaneamente, muitas vezes não se tem informações completas e precisas para todos os itens reportados, o que dificulta a avaliação.
Além disso, também precisam ser consideradas condições que não estão sob a jurisdição do Butantan e que podem interferir na eficácia dos imunizantes, como transporte do produto, conservação e aplicação.
Por que existem setores de Farmacovigilância nas indústrias farmacêuticas
A tragédia da talidomida em 1961 foi o estopim para a criação de procedimentos de segurança de medicamentos. Este remédio foi usado por mulheres grávidas para amenizar o enjoo. Algum tempo depois, descobriu-se que ele causava focomelia, uma malformação congênita rara nas crianças nascidas. Para evitar acontecimentos como esse, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu em 1968 o Programa Internacional de Monitorização de Medicamentos (PIMM), que tem o intuito de informar o mais rápido possível às autoridades competentes dos países sobre as reações adversas de produtos farmacêuticos. Hoje o PIMM conta com mais de 120 países membros. O Brasil faz parte do PIMM desde 2001, sendo o 62º membro do programa.
Os países membros criam seu método para coleta e avaliação de casos de reações adversas a medicamentos a nível nacional. As informações registradas alimentam uma base de dados internacional, coordenado pelo Uppsala Monitoring Centre (UMC) – colaborador da OMS, localizado na Suécia. Esses dados são destinados às agências reguladoras de cada país para identificar e prevenir possíveis tragédias.
No Brasil, a legislação sanitária de medicamentos foi instituída a partir da década de 60 e 70. Dentro dela está a Lei Federal nº 6360/76, que determina que todo acidente ou reação seja notificado à autoridade sanitária competente.
No fim da década de 90, a Política Nacional de Medicamentos foi aprovada e foi criada a Anvisa, com o compromisso de regular, controlar e fiscalizar os medicamentos que seriam destinados para uso humano e que podem ser um risco à saúde. Isso tudo facilitou a criação do Programa Nacional de Farmacovigilância, coordenado pelo CNMM.