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Elas são incríveis e foram inspiradas por outras admiráveis mulheres: “Bora, você consegue!”

Neste Dia Internacional da Mulher, colaboradoras do Butantan revelam figuras femininas que foram referência de força e acolhimento em suas trajetórias profissionais


Publicado em: 08/03/2023

Estereótipo. Se você é mulher, são grandes as chances de já ter sido negativamente impactada por essa palavra. De acordo com a Aliança Sem Estereótipo, movimento coordenado pela ONU Mulheres, o termo reflete e dissemina ideias profundamente enraizadas de feminilidade e masculinidade, que contribuem para a construção de uma sociedade desigual entre os sexos – tal qual ainda vivemos hoje, mesmo diante dos últimos avanços. 

Aquela história de que mulheres são naturalmente mais competitivas entre si é um exemplo de estereótipo, que contribui para mantê-las divididas e distantes. Sorte que, na contramão, tem ganhado força a tão falada e importantíssima “sororidade”. O movimento – que tem origem no latim “sóror”, cujo significado é “irmãs” – busca estimular o apoio e a união entre as mulheres. 

Pensando justamente em combater esse estereótipo, neste 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, conversamos com colaboradoras do Butantan que miraram em outras figuras femininas para construir carreiras de sucesso, sem perder de vista o referencial humano. A seguir, confira em detalhes cada uma dessas histórias e também não deixe de dar o play em nosso vídeo-homenagem.

 

A supervisora cultural do Museu Biológico do Butantan, Adriana Chagas, é grata pela professora doutora da Universidade de São Paulo (USP) Alessandra Bizerra ter acreditado em seu potencial


“Ela sempre me dizia: ‘Bora, mulher, você consegue!’”

Para a supervisora cultural do Museu Biológico do Butantan, Adriana Chagas, 33 anos, a professora doutora da Universidade de São Paulo (USP) Alessandra Bizerra foi a figura que mais impulsionou sua carreira. Bióloga e mestre em ensino de ciências, a colaboradora afirma ter sido levada pelas circunstâncias para o caminho da educação – área pela qual se apaixonou, decidindo realizar um mestrado. Inexperiente e sem saber por onde começar, foi por intermédio de uma antiga chefe no Museu de Zoologia da USP que Adriana recebeu a indicação de um nome para orientar o seu trabalho. “Quando procuramos o meio acadêmico, sentimos que aquilo é muito grande, quase inalcançável. Na época eu tinha 22 anos, estava com medo, mas mesmo assim fui”, conta.

O currículo admirável de Alessandra, com mestrado em Ciências Biológicas e doutorado em Educação pela USP, extensa produção acadêmica e passagem por instituições como o próprio Instituto Butantan, já havia feito os olhos da jovem estudante brilhar. Mas foi a humildade da professora que mais lhe marcou. “Desde o primeiro momento, me senti à vontade. E, para além das qualidades como pesquisadora, mirei nas suas características humanas para trabalhar em um ambiente que, por muitas vezes, é extremamente competitivo e intimidador”, lembra Adriana, que destaca a feminilidade da orientadora, ao realizar seus trabalhos com força e delicadeza, vontade e acolhimento. 

Prova disso foi a maneira como Alessandra ajudou Adriana quando ela revelou que iria adiar o início do doutorado por conta de um frágil momento psicológico que estava passando, logo no início da pandemia de Covid-19, em 2020. “Ela me acolheu de uma maneira tão importante. Foi um impulso para eu sair daquele momento delicado. O resultado é que, agora, estou voltando a pensar sobre o doutorado. E vai ter que ser com ela, porque se a Ale não me orientar, eu não quero”, brinca, com lágrimas nos olhos.

 

A assistente administrativa do Centro Bioindustrial (CBI) Ana Maria Marcos de Souza, vítima da poliomielite na infância, lembra que sua mãe lutou pela sua saúde e recuperação


“Ela acreditou que iria encontrar uma forma da filha dela viver, e eu vivi!”

“Minha inspiração é a minha mãe, Maria José. Foi ela quem me ensinou sobre força e caráter e acreditou em mim, mesmo quando fui desenganada por muitos médicos”, conta a assistente administrativa do Centro Bioindustrial (CBI), Ana Maria Marcos de Souza, 54 anos. Quando tinha apenas 18 meses de vida, a colaboradora deixou de falar, ouvir, ver e andar, sendo diagnosticada com sequelas de uma possível infecção por poliomielite. Moradora de Olivença, no interior de Alagoas, mudou-se com toda a família para São Paulo, em busca de um tratamento no Hospital das Clínicas. “Minha mãe nunca desistiu de encontrar um médico que desse a resposta que ela queria ouvir”, afirma.

Após seis meses de muita luta, tratamento, fisioterapia e – não menos importante – amor, Ana Maria começou a se recuperar. Permaneceu, apenas, uma má-formação em sua perna direita, que para ela nunca foi impeditivo para nada. “Mas há quase 50 anos, a pessoa com deficiência não era vista como um ser humano”, lembra. Para frequentar a escola regular, por exemplo, Maria José precisou submeter a filha a um teste intelectual para provar que ela não tinha nenhum problema de aprendizado. “Ela dizia: ‘Você é diferente, como todas as pessoas são umas das outras’. Cresci assim, sabendo que a diferença é algo normal”, completa Ana Maria.

Mãe de duas filhas – a fotógrafa Consuelo, de 30 anos, e a psicóloga Luna, de 27 –, a colaboradora do CBI orgulha-se de ter à sua volta mulheres de fibra. E ainda promete presentear a mãe com um diploma de graduação. “Já comecei a faculdade algumas vezes e acabei parando, mas não vou desistir. Ela acredita que vou me formar e, sem dúvidas, vou dar isso para ela”, finaliza a colaboradora.

 

A pesquisadora científica do Laboratório de Virologia Carla Utescher se inspira na liderança feminina da farmacêutica e ex-diretora do Butantan Hisako Gondo Higashi 


“Uma mentora institucional, com décadas de trabalho dedicadas à saúde pública”

De acordo com a pesquisadora científica do Laboratório de Virologia, Carla Utescher, 59 anos, a farmacêutica e ex-diretora do Butantan, Hisako Gondo Higashi, é uma inspiração não apenas para ela, mas para toda uma geração de profissionais que estão ou já passaram pelo instituto.

“A doutora Hisa, como é carinhosamente conhecida, desenvolveu projetos arrojados e implementou diversas melhorias tecnológicas que alavancaram a produção interna de imunobiológicos. Ao lado de nomes ilustres, como os dos doutores Isaías Raw e Willy Beçak, contribuiu para a inserção do Butantan no programa de autossuficiência de imunobiológicos do Ministério da Saúde. Além de ter sido uma das idealizadoras da Fundação Butantan”, recorda Carla, que trabalhou por mais de duas décadas ao lado da cientista.

Como pesquisadora, Hisako dedicou sua carreira à implementação de uma ciência aplicada, possuindo diversos artigos publicados. À frente do instituto, entre 1997 e 2002, desempenhou um importante papel na estruturação da organização, ajudando a inserir o conceito de melhoria contínua e contribuindo para que o Butantan atingisse o patamar de excelência no qual se encontra hoje. 

“Ela me mostrou que a unificação das equipes torna possível a conquista de grandes objetivos”, ressalta Carla Utescher. “E, por meio da figura da dra. Hisa, também referencio todas as colaboradoras e pesquisadoras maravilhosas com quem já tive e tenho o prazer de conhecer e trabalhar. Além de, indiretamente, representar outras mulheres importantes da minha vida, como minha mãe, irmã e filhas, que contribuíram com o sucesso da minha história”, finaliza.

 

A especialista do Laboratório de Imunoquímica Giselle Pidde vê na figura da doutora Denise Tambourgi a importância de trabalhar em prol da saúde pública 


“Ela é referência como pioneira em diversos momentos da história da Toxinologia”

Quando a atual especialista do Laboratório de Imunoquímica Giselle Pidde, 42 anos, chegou ao Butantan, em 2002, logo conheceu uma figura que a estimulou intensamente a seguir firme nos estudos de venenos e toxinas. “A doutora Denise Tambourgi é uma mulher que realmente faz a diferença. Sendo para mim uma grande referência no âmbito científico e acadêmico”, afirma a colaboradora.

Líder científica do mesmo laboratório onde Giselle atua, Denise chegou ao Butantan no início da década de 1990 como imunoparasitologista. Pouco tempo depois, integrou-se aos propósitos institucionais, voltando-se à pesquisa de toxinas, especialmente ao estudo sobre envenenamento pela picada da aranha-marrom. Começou da base, pesquisando a fundo as características do veneno, até chegar ao desenvolvimento de um soro. Atualmente, uma pomada para tratamento local e capaz de inibir o desenvolvimento da lesão está em fase clínica de estudo. “É uma etapa para fechar com chave-de-ouro toda a dedicação de uma vida. Ter esse produto disponível ao grande público reforça o comprometimento dela com a ciência e a sociedade, que é também o principal objetivo da nossa instituição”, reforça Giselle.

Outro ponto em comum entre as duas pesquisadoras é a origem familiar humilde. Filha do sistema público de ensino, desde a base até a universidade, e primeira mulher do seu círculo familiar a conquistar um diploma, Denise não hesitou em estender sua mão à Giselle quando esta se viu diante de dificuldades por conta da falta de bolsas, ao longo de sua jornada acadêmica. “É algo encantador ver o quanto ela trabalhou – e ainda trabalha – para devolver ao sistema público tudo o que ela pôde usufruir por meio de sua formação. Sem dúvidas é uma nobre contribuição”, completa a especialista.

 

A analista de serviços de informação Patricia Alves, colaboradora da Biblioteca, divide o amor pela ciência e pela memória do Butantan com a pesquisadora Maria Cristina Breno


“É muito bonito e gratificante ver que fizemos a diferença”

Olhar os espaços do Edifício Vital Brazil e repassar aos visitantes da atual Biblioteca do Butantan o mesmo amor que a pesquisadora científica da Farmacologia, Maria Cristina Breno, guarda por cada um daqueles espaços. Esse é objetivo da analista de serviços de informação, Patricia Lucio Alves, 36 anos. As colaboradoras, que se conheceram em 2013, acabaram estreitando os laços cerca de cinco anos depois, quando o então orientador de doutorado de Patricia faleceu repentinamente. “Naquele período, foi tudo muito difícil e intenso. Ela me deu um enorme apoio e não me deixou sozinha, nunca vou me esquecer”, conta a atual funcionária da Biblioteca do Butantan.

Além da paixão pela ciência, ambas dividem o amor pela memória do instituto. “A Cris é uma pessoa que tem histórias incríveis. Ela ama contar essas vivências como forma de resgatar a memória do Butantan. Acho isso muito bonito e me inspiro nela para realizar meu trabalho aqui na biblioteca, passando essa mesma paixão que sempre senti vindo dela”, afirma. Entre as principais lembranças de casos experienciados pela pupila, está uma pausa de mais de 40 minutos em um experimento para ouvir atentamente sobre a história do peagâmetro – aparelho utilizado para checar o pH de uma substância. Como integrante da Farmacologia, área que ocupou o Edifício Vital Brazil antes da última reforma, Cris Breno foi uma das últimas a deixar o prédio, levando consigo detalhes que deram vida àquele ambiente, até então.

“Ainda hesito em me reconhecer como uma mulher inspiradora, uma vez que nos parece algo muito grandioso e que não nos cabe. Entretanto, hoje penso cada vez mais sobre isso e, sendo uma cientista negra, sinto que realmente preciso assumir essa postura”, finaliza Patricia.