Portal do Butantan

Entenda como funciona a tecnologia de vírus inativado usada na CoronaVac

Já faz 225 anos que a primeira vacina foi criada, pelo britânico Edward Jenner, contra a varíola. De lá para cá, a ciência e a pesquisa em imunobiológicos avançaram, novas tecnologias surgiram e as tradicionais foram aperfeiçoadas. Dentre elas, a mais estudada, segura e consolidada do mundo é a do vírus inativado, presente na CoronaVac, vacina contra a Covid-19 do Instituto Butantan e da farmacêutica chinesa Sinovac. Mas o que significa dizer que uma vacina é feita com vírus inativado?

A tecnologia da vacina de vírus íntegro inativado já é bem estabelecida, conhecida e testada no mundo dos imunizantes, além de ser comprovadamente eficaz, sendo utilizada em vacinas como da poliomielite (vacina Salk) e da raiva, além da CoronaVac.

Em imunizantes desse tipo, o vírus é inativado, ou seja, morto, com o uso de substâncias químicas, irradiação ou calor, e se torna incapaz de causar infecção ou efeitos patológicos nas pessoas. O resultado são vacinas mais estáveis, fáceis de transportar e armazenar, e que provocam um baixo número de efeitos adversos.

 

Como se produz uma vacina de vírus inativado

O primeiro passo é desenvolver o vírus em algum substrato como células, no caso da CoronaVac, ou ovos embrionados de galinha, técnica usada na vacina da gripe e na ButanVac, nova candidata a imunizante contra o SARS-CoV-2. Depois, o vírus passa pelo processo de purificação e, em seguida, é inativado. Muitas vezes, o processo de inativação pode ocorrer antes do processo de purificação.

O método de inativação mais comum em processos industriais é o químico. Pode ser usada uma substância chamada formaldeído, composto orgânico volátil também conhecido como formol que impede o crescimento de microrganismos em diversos produtos, ou a beta-propiolactona. Na produção da CoronaVac, são usados estes dois métodos de inativação. Todos esses agentes químicos, de um jeito ou de outro, acabam matando o vírus.

Outra forma de inativar o patógeno é por meio de raios gama, uma radiação eletromagnética de alta frequência. Este tipo de radiação é também utilizado na esterilização de ferramentas cirúrgicas.

Quando o corpo recebe a vacina, o sistema imune entende que o agente infeccioso está presente no organismo. O processo natural de proteção é desencadeado em função do que foi reconhecido pela vacinação e o organismo desenvolve anticorpos e outras estratégias de defesa para combater o corpo estranho ou as moléculas que fazem parte da vacina. Desta forma, quando o organismo realmente encontrar o vírus, ele estará preparado para lidar com o patógeno em função da resposta previamente induzida pela vacinação, somada à resposta induzida pela infecção pelo patógeno.

Já as vacinas de vírus atenuado (vivo) infectam e causam uma pequena infecção, mimetizando uma infecção natural. Em geral, vacinas de vírus atenuado não têm o seu uso recomendado para quem tem alguma imunodeficiência ou para as grávidas. As vacinas de vírus inativado, por outro lado, não têm este tipo de restrição, pois os seus componentes vacinais não estão vivos.

 

História da vacina inativada

A história das vacinas de vírus inativado é antiga. No século 19, quando a hipótese da imunização por meio de vacinas já havia sido comprovada, o cientista francês Louis Pasteur (1822-1895) realizou um experimento e usou calor intenso para inativar o agente causador da raiva, produzindo assim a primeira vacina de vírus inativado.

A inativação por calor já não é mais tão usada porque é complicado encontrar o ponto certo de temperatura e do tempo de exposição ao calor sem afetar as suas propriedades imunogênicas. Se deixar tempo demais, existe a possibilidade de perder a atividade imunológica do vírus; se deixar pouco tempo, o vírus pode não ficar inativo. E esta questão fica mais complexa quando lidamos com volumes grandes de produção pela dificuldade da homogeneização dos volumes.

Nos anos 1940, a poliomielite, uma doença do neurônio motor da medula espinhal causada pelo poliovírus, fez com que Jonas Salk (1914-1995), então diretor do Laboratório de Pesquisa de Vírus da Escola de Medicina da Universidade de Pittsburgh, usasse sua experiência com vírus inativado para estudar uma vacina contra a doença. Salk e sua equipe usaram formaldeído para matar o poliovírus sem destruir suas propriedades antigênicas. Em 1955, havia cerca de 29 mil casos de poliomielite nos Estados Unidos. Dois anos depois, com o imunizante, a infecção não atingia seis mil pessoas.

 

 *Agradecimentos ao pesquisador científico Paulo Lee Ho, que dividiu seus conhecimentos para a realização desta matéria.