Ambos saíram de pequenas cidades do interior do Brasil para se tornarem cientistas com formação internacional e êxito profissional. Do começo da carreira até se tornarem referências em suas áreas de atuação, vários desafios foram superados e muitas pessoas os ajudaram pelo caminho.
É o que contam o imunologista Gustavo Cabral, pesquisador na área de desenvolvimento de vacinas do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e a diretora do Centro de Desenvolvimento e Inovação do Instituto Butantan, Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, no segundo episódio do podcast “SaBer”, do Instituto Butantan, lançado nesta segunda (2). Assista ao vídeo na íntegra abaixo.
De feirante a consultor da ONU
Até os 18 anos, Gustavo era feirante em Tucanos (BA), pequeno município do sertão baiano, e mal tinha tempo para manter o estudo regular devido à necessidade de trabalhar para seu sustento e o da família. Hoje, aos 40 anos, ele tem três pós-doutorados, é pesquisador na Universidade de Oxford e consultor da Organização das Nações Unidas (ONU).
A “virada de chave” foi compreender que somente pelo estudo teria condições de ascender socialmente. Gustavo voltou a estudar aos 18 anos no colegial de uma escola pública e, com o dinheiro conquistado nas vendas de frutas na feira, ingressou em um colégio particular aos 21 anos, para ter condições de passar em uma universidade pública. A tentativa deu certo, ele usou a bolsa de iniciação científica adquirida por cursar Ciências Biológicas na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) para se bancar e foi galgando degraus acadêmicos até então inimagináveis para alguém com a sua origem.
“Quando comecei o curso, conheci meu orientador, que me dava as dicas mais certas, abriu várias portas para mim. Eu falei que não tinha condições de me manter e a bolsa de iniciação científica foi minha salvação. [...] De repente percebi que precisava passar no mestrado porque tinha a bolsa, e eu usei parte do valor para aprender inglês”, conta o imunologista.
Da vila rural à terra de Louis Pasteur
A diretora do CDI também percorreu um longo caminho até chegar ao posto em que está hoje, sempre com o objetivo de aprender a “fazer remédio”, seu desejo de infância quando ouvia o avô falar sobre o poder das plantas. Ela e a família se mudaram do distrito de Felipe Schmidt, uma então vila rural de Canoinhas, interior de Santa Catarina, para completar o ensino fundamental em outro município catarinense. Como resultado, Ana Marisa ingressou na faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba (PR). Lá, descobriu sua verve de pesquisadora, aprimorada no mestrado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e no doutorado pelo Instituto Pasteur, na França, e como pesquisadora concursada no Instituto Butantan desde 1987.
“Toda minha carreira foi pautada em quem me ajudou. O querer saber, transcender, ir além, focar em algo que você quer, sai de qualquer contexto. Ser cientista não é ganhar dinheiro, mas se ganha um monte de coisa. Dá pra conhecer o mundo, dá orgulho”, reitera Ana Marisa.
Covid-19: fake news e morte de crianças
Ambos os cientistas se notabilizaram também pela forte atuação contra fake news durante a pandemia de Covid-19.
Para Gustavo, é natural que a população tenha certo desconhecimento de metodologias científicas, embora o impacto do SARS-CoV-2 tenha aumentado o interesse pela ciência. Porém, o que torna o negacionismo mais grave é a disseminação de informações falsas feita por profissionais de saúde.
“É natural que as pessoas desconfiem porque a população não tem uma noção detalhada. O que é trágico é ver médicos falando que a vacina muda o DNA. Tem médicos dando curso de detox de vacina, cada curso custando R$ 600. Gerar medo também é lucrativo”, critica.
As notícias falsas geram consequências reais para a saúde pública, como a queda na cobertura vacinal de vários imunizantes, como o contra Covid-19, sobretudo entre as crianças.
“A população não está vacinando as crianças porque não está vendo as doenças. Mas a gente está vivendo a Covid e as crianças estão morrendo”, destaca Ana Marisa.
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