Muito antes do Butantan se tornar o novo endereço de uma naja bem conhecida, que desembarcou em São Paulo em 2020 vinda do Planalto Central, o Instituto já era lar de uma porção dessas serpentes. Elas, as najas originais, chegaram em 2016. Na época, 15 machos e 15 fêmeas vieram diretamente do Kentucky Reptile Zoo, nos Estados Unidos, para contribuir com pesquisas relacionadas às serpentes da família Elapidae, a mesma das corais-verdadeiras. Duas ninhadas depois, agora o plantel conta com 47 cobras.
“Assim como elas, todos nós que cuidamos das najas precisamos nos adaptar. São animais muito ativos, diferente das espécies que estávamos acostumados a manusear”, explica o pesquisador científico do Laboratório de Herpetologia, Sávio Stefanini Sant’Anna, que já precisou lidar com uma “espertinha” na luminária da Sala de Reprodução.
As najas do Laboratório de Herpetologia chegaram ao Instituto Butantan no ano de 2016
Presente no nosso imaginário por conta dos “encantadores de serpentes”, a naja-de-monóculo (Naja kaouthia) é originária do sul da Ásia e ganhou esse apelido por conta do desenho que carrega na parte de trás da cabeça, parecido com uma lente de óculos. Elas também são conhecidas por formar uma espécie de capa ao lado da cabeça quando prestes a atacar, chamada oficialmente de capelo. “É um mecanismo de defesa que faz o animal parecer maior. Para intimidar, essas cobras também estufam o peito e soltam o ar bem rápido, emitindo um som”, conta Sávio.
Além da beleza e do temperamento “esquentadinho”, elas são mais vorazes. Enquanto a maioria das cobras da Herpetologia se alimenta mensalmente, as najas comem a cada 20 dias. Todas essas particularidades estimularam a equipe do laboratório a batizar as queridas najas com nomes como Dagoberto, Kalana, RuPaul, Valentina e Kátia Flávia, entre outras denominações bem inusitadas.
A seguir, confira algumas curiosidades dessas ilustres moradoras do Butantan:
O pesquisador Sávio Stefanini Sant’Anna é um dos responsáveis pela manutenção e bem-estar dos animais
Linhagem trevosa
A inquietação natural da espécie fez com que as primeiras najas recebessem nomes sinistros, como Lúcifer, Annabelle (boneca do filme de terror de mesmo nome), Chucky (personagem do filme e da série O Brinquedo Assassino) e Pennywise (o tenebroso palhaço do filme It: A Coisa). De acordo com Sávio, Lúcifer, Annabelle e companhia são muito tranquilos, provando que nem sempre a primeira impressão é a que fica.
Cobras que fazem seu nome
Rudolph, que ficou um bom tempo com o nariz vermelho por dar vários botes nas paredes de seu abrigo, teve seu nome inspirado na conhecida rena de nariz vermelho do Papai Noel. Já Aquiles tem uma má-formação na cauda e foi batizado com o nome do guerreiro grego, ferido por uma flecha envenenada na região do calcanhar.
Conhecidas como naja-de-monóculo, elas são originárias do sul da Ásia
A idade chega
As najas adquiridas em 2016 já são consideradas idosas. De acordo com as estimativas, elas têm 12 anos. “O Salazar, por exemplo, está magrinho. O Kid e o Dagoberto tiveram um pequeno tumor e precisaram passar por cirurgia. Agora estão bem”, diz o responsável pela manutenção das najas.
A grande família
Em 2019, a primeira mamãe do plantel foi responsável por trazer ao mundo sete filhotes. Já em 2021, outra fêmea, Jussara, botou 11 ovos – das cobrinhas nascidas então, Celeste foi a primeira a ser batizada. O nome foi escolhido pelos seguidores do perfil do Laboratório de Herpetologia no Instagram.
A abertura do Capelo é um dos sinais de que as najas estão se preparando para atacar
Soros que salvam vidas
Por mais que a naja seja venenosa, o Butantan não produz soro antiofídico contra a picada da serpente. Como elas não são brasileiras, a probabilidade de ocorrer um acidente com elas em terras tupiniquins é muito baixa. Entretanto, contrariando todas as probabilidades, um caso ganhou repercussão em 2020, quando um jovem estudante de Brasília foi hospitalizado por conta de complicações decorrentes de uma picada de naja.
“Para garantir a segurança dos técnicos e pesquisadores que lidam diretamente com a espécie, o Butantan adquiriu ampolas do medicamento para manter em estoque caso algo acontecesse. Foi por isso que conseguimos contribuir com a recuperação do paciente picado por uma naja da mesma espécie das que temos aqui”, conta Sávio.
Por ter chegado ilegalmente ao Brasil, a chamada “Naja de Brasília” foi acolhida pelo Instituto Butantan. Diferentemente de suas outras conterrâneas, o animal foi direcionado ao Museu Biológico do Parque da Ciência, e ganhou um novo nome escolhido pelos seguidores do Instagram do Butantan: Nadja.
Reportagem: Natasha Pinelli
Fotos: Mateus Serrer/Comunicação Butantan